Rohit Bhargava se considera um “futurologista relutante”. “A maioria dos futurologistas está tentando adivinhar o que o futuro vai trazer. Minha missão é ensinar as pessoas a serem pensadores não-óbvios. Se as tendências me ajudam a mostrar uma forma de ver o que ninguém vê e, portanto, prever o futuro, então está ok”.
Mas nem 10 anos fazendo a curadoria de sinais de tendências de futuro foram suficientes para o fundador da Non-Obvious Company prever a pandemia que cancelou a SXSW 2020 e sua palestra em Austin, onde falaria sobre as Megatrends do décimo e último livro da série. “Como disruptor, fiquei tentado a fazer algo imediatamente. Mas decidi apenas dar um tempo. Guardei o computador e fui aproveitar o dia que estava lindo lá fora”, conta Rohit, em entrevista exclusiva à The Shift.
“As pessoas estão ansiosas. Mas é muito cedo para saber se tudo vai mudar. Acredito que algumas coisas definitivamente não vão voltar. Mas o problema é que, neste momento, você não sabe o que vai mudar. E não sabe o que vai ficar na mesma.”
A única coisa que uma empresa, uma marca e um profissional de marketing podem fazer nesse momento é ter empatia, pensar no que as pessoas precisam agora versus o que elas precisavam antes. A maneira de evitar ser predatório é pensar com empatia no que as pessoas precisam e também pensar ao mesmo tempo no seu negócio e no que você pode fazer para continuar impulsionando o negócio.
As viagens são um exemplo importante. Agora é complicado viajar, os voos foram cancelados. Então, qualquer pessoa da indústria do turismo deve estar pensando que essa é a pior hora para fazer qualquer coisa. Mas a outra maneira de ver as coisas é pensar que quando se está preso em casa, como muitas pessoas estão, começamos a sonhar em fazer a próxima viagem ser muito maior do que sonhamos.
E se você está promovendo um lugar com o qual as pessoas sonham há anos, é importante manter esse lugar na mente delas. Vi um monte de anúncios de uma campanha de turismo sobre a Índia. “A incrível Índia”, era o tema da campanha. Muitas pessoas passam a vida inteira sonhando em ir para lá. Então a mensagem é “lembrem-se que este é o lugar para onde sempre quiseram ir”. E quando você finalmente for capaz de viajar de novo, talvez você faça uma viagem maior, porque percebeu que nem sempre terá a chance de ir à Índia.
No passado você poderia ter comercializado a viagem, mas hoje você comercializaria a esperança da viagem. No final das contas, não é que você esteja mudando o seu produto. Se você está promovendo a Índia como um destino turístico, você não pode mudar isso, mas pode mudar a maneira como você comunica, baseado na forma como as pessoas estão pensando hoje. E acho que esse é o tipo de pensamento não-óbvio que vamos precisar.
Outro exemplo: A Disney lançou a Disney+, seu serviço de streaming, e agora que todos estão presos em casa com os filhos sem ir à escola, decidiu lançar o filme Frozen 2 três meses mais cedo. Porque sabe que todos estão em casa. E você poderia dizer que isso é um movimento inteligente de marketing porque as pessoas têm que assinar a Disney+ para ver o filme, o que é verdade.
Mas também pode dizer que eles fizeram isso porque provavelmente há pessoas que trabalham na Disney que são pais e que também estão pensando “o que vou fazer com meus filhos em casa nas próximas três semanas sem poder fazer as coisas que costumam fazer”?
Os 5 modelos mentais do pensamento não-óbvio
Como caçar não-obviedades e prever tendências disruptivas?
No processo elaborado pela Non-Obvious Company, é preciso treinar seu cérebro para filtrar o mundo a partir de cinco modelos mentais: “Be Observant”, “Be Curious”, “Be Fickle” (varie o tempo todo), “Be Elegant”(crie belas ideias) e “Be Thoughtful (tire um tempo para pensar). No site da Non-Obvious é possível assistir em vídeo a explicação de como cultivar seu lado observador.
Precisamos ser pensadores não-óbvios. E isso é difícil hoje em dia porque a mídia ou ao que estamos expostos ou as coisas que escolhemos ler ou assistir tendem a ser mais limitadas de espírito. Assistimos ao que concordamos, prestamos atenção só ao que nos interessa.
E como resultado, só temos uma pequena imagem do que está acontecendo porque não escolhemos ir mais longe do que isso. A conclusão é que todos nós precisamos optar por ter a mente mais aberta. Precisamos escolher ler coisas com as quais não concordamos. Precisamos escolher prestar mais atenção àquelas coisas que são escritas ou criadas para pessoas que não são como nós, porque é assim que se gera mais pensamento não óbvio, por ter mais interesses, por ser mais diversificado no olhar.
Sobre as mega-tendências no décimo livro, em vez de fazer o que faço todos os anos, que é selecionar 15 tendências por ano, combinei toda a pesquisa dos últimos 10 anos e procurei quais foram os 10 maiores temas em todas as tendências no período. Entre mais de uma centena de tendências passadas, quais foram os maiores temas em todas elas e como isso nos ajuda a nos preparar para os próximos 10 anos, a próxima década?
Cada uma das mega-tendências, além de ser uma idéia única, é construída a partir de muitas previsões de tendências passadas. No final de cada capítulo de cada mega-tendência, há uma lista de todas as tendências passadas que entraram nessa em particular. Para que as pessoas possam ver o que toda a pesquisa do passado está nos dizendo sobre onde o futuro está indo.
A mais relevante, por causa do que está acontecendo no mundo, provavelmente é o Human Mode (Modo Humano). Não importa como nos comunicamos, colocar a capacidade humana e o foco na nossa humanidade é o mais importante. Estamos cansados de nos concentrar primeiro na tecnologia.
Nesse capítulo eu abordo isolamento, solidão, a necessidade de conexão humana e algumas dessas coisas com as quais estamos realmente nos debatendo agora, porque não podemos fazê-las. Mas acho que isso torna essa tendência em particular ainda mais importante, porque indica essa necessidade de as pessoas encontrarem outras formas de se conectarem umas com as outras.
Caçando Non-Obvious Megatrends
Rohit Brahgava é um profissional de marketing não muito chegado a truques tecnológicos. Fica claro no livro “10 Non-Obvious Megatrends” que o professor e consultor aposta muito mais nas habilidades humanas do que na tecnologia _ embora não a renegue _ para guiar o aprendiz a speed learner pelo caminho da iluminação. Diferente de Amy Webb, que é uma nerd apaixonada pela tecnologia, Rohit está mais para um guru filosófico de marketing.
Ambos no entanto convergem em um ponto: a verdade está lá fora e não está exatamente na sua frente ou na sua bolha. Os sinais do fringe (beiradas), como aponta Amy Webb, somados aos sinais não-óbvios que são emitidos por diferentes mercados, consumidores e tendências de comportamento, como defende Rohit, geram uma powerhouse para traçar cenários de ruptura.
Rohit define trend, ou tendência, como sendo “uma observação curada do presente acelerado”. Trends estão tipicamente associadas a comportamentos coletivos e crenças do consumidor que se desenvolvem e consolidam com o tempo. Para entender, basta ver um dos exemplos que dá no livro: “me perguntaram, alguns anos atrás, se eu considerava o surgimento da impressão 3D como um trend a ser observado. Eu disse que não, mas que via o movimento maker (viabilizado também pela tecnologia 3D), de pessoas querendo fazer seus próprios projetos, como uma trend que precisava ser observada”.
Isso não quer dizer que não há tecnologia nas 10 Megatrends de 2020. Há, em abundância, algumas vezes misturada aos outros elementos da Megatrend, como Amplified Identity, que trata das extensões online da personalidade dos consumidores (selfies, redes sociais etc.), outras vezes diretamente como megatendência, caso de Data Abundance e Protective Tech, que tratam do excesso de dados sobre consumidores, privacidade e os riscos da automação vigilante de robôs e drones.
Há muito ceticismo neste momento e acho que uma das formas de contorná-lo é dar às pessoas histórias verdadeiras sobre as marcas e empresas, dar-lhes o contexto, sem esconder nada.
Dizer, “olha, essa é nossa crença, isso é o que nós defendemos”.”E, a propósito, cometemos um erro, fizemos besteira. Isso é uma grande maneira de construir confiança. Basicamente precisamos nos ligar uns aos outros e isso é um desafio. Acho que vamos precisar de novas formas de ter ligação com as pessoas e quanto mais formas encontrarmos para ajudar as pessoas a fazer isso, mais pessoas virão até nós.
Eu me acho um futurologista relutante porque a maioria dos futurologistas tenta adivinhar o que o futuro vai trazer e se posiciona como o único especialista que pode descobrir sinais no meio do barulho. E meu foco não é tanto para ser futurista. As tendências são um caminho e não um fim. Para mim o objetivo é ensinar as pessoas a serem pensadores não óbvios.
Eu quero que as pessoas tenham uma mente mais aberta. Quero que elas vejam o que mais ninguém vê. Quero que elas pensem no mundo de uma forma um pouco diferente. Quero que eles apreciem as pessoas que não são como eles. Então, se as tendências ajudam a fazer isso porque mostram uma forma de pensar e ver o que ninguém mais vê e, portanto, prever o futuro, então é ótimo.
Temos que ser speed learners e não speed readers. Para se tornar um speed learner, é preciso pensar a longo prazo em vez de curto prazo. O pensamento de curto prazo é que hoje tudo está fechado e as pessoas não vão gastar dinheiro em nada. O pensamento de longo prazo é “O que acontece quando as pessoas puderem finalmente sair de novo?” “O que vão fazer primeiro?” “O que estão esperando para fazer?”
Imagine aquele momento em que todos que estão presos em casa puderem correr para fora e finalmente saltar na piscina. Como você se prepara para isso?
Porque muitas vezes, quando estão num momento como este, as pessoas acham que não há nada que possam fazer. E isso não é bem verdade. Você tem muitas chances, agora, de fazer o que queria fazer por muito tempo e não conseguia. Por exemplo, muitos autores como eu vão priorizar escrever seu próximo livro, já que não podemos viajar e fazer as palestras que costumamos fazer.
Fonte: The Shift