Em um momento em que tantas pessoas não sabem de onde ou se terão a próxima refeição, startups estão trazendo soluções alternativas para a mesa
Por Redação
O Brasil vive um paradoxo: 26 milhões de toneladas de alimentos produzidos no país são desperdiçadas todo ano, enquanto perto de 41% da população brasileira (84,9 milhões de pessoas) convivem com a fome ou algum grau de insegurança alimentar. As perdas ainda são prejudiciais para o meio ambiente já que a produção de comida emite gases do efeito estufa e utiliza recursos naturais e áreas de cultivo — que no descarte emite gás metano, pior para a atmosfera do que o CO2. Com inovação, as startups querem resolver esse problema em todos os pontos da cadeia — do campo à casa dos consumidores. Em um país continental e conhecido por sua agricultura tropical, o potencial é gigantesco.
O papel da inovação na redução do desperdício já é reconhecido pelas organizações, como fez o Instituto BRF ao selecionar oito startups para o programa de aceleração voltado para empresas que combatem perdas de alimentos, o Ecco Comunidades. Com base nas 59 empresas inscritas no programa, a análise da organização é que o país possui soluções interessantes para o problema e tem um potencial de crescimento na área. Entretanto, o ecossistema ainda precisa se expandir, especialmente se levado em conta o tamanho do desafio.
Iniciativas de fora do país demonstram que lutar contra o desperdício de alimentos cria empresas de sucesso. A startup Misfits Market alcançou o estágio de unicórnio em abril de 2021 vendendo produtos que seriam descartados, como aqueles fora do padrão, com datas de validade curtas ou produzidos em excesso. Outro unicórnio que luta contra o desperdício é a agtech Apeel, que criou uma proteção plant-based para alimentos que retém a umidade e mantém o oxigênio do lado de fora para conservar o frescor dos alimentos por mais tempo.
As startups que combatem o desperdício geralmente unem o impacto ambiental ao social, como é o caso da brasileira Connecting Food, uma das selecionadas para o Ecco Comunidades. A companhia conecta empresas que possuem alimentos que seriam descartados por já terem perdido o valor de mercado com organizações que recebem doações de comida. Com clientes como o Grupo Pão de Açúcar, a startup já atua em quatro estados: São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará e Bahia.
A foodtech Food To Save tem outra abordagem para o problema: a empresa recupera alimentos que seriam descartados, como os excedentes de produção e/ou produtos próximos à data de validade, por meio da venda de sacolas surpresa com até 70% de desconto no valor original dos produtos. Desde que foi criada, em abril, a empresa evitou o desperdício de cerca de 20 toneladas de alimentos. Por enquanto, a atuação está restrita à capital paulista e ao Grande ABC.
Um dos grandes desafios ainda é conscientizar o consumidor de que alimentos fora do padrão podem ser comprados e que todos os produtos precisam ser usados. “O nosso desafio na comunicação e no atendimento com os usuários é sempre trazer uma instrução. O ciclo precisa fechar. Quem compra a sacola tem que entender que tudo deve ser reaproveitado”, afirma o CEO e cofundador da startup, Lucas Infante. “O hortifruti parece um desfile de moda de frutas, com tudo perfeito. É um grande desafio enfrentar essa barreira cultural”, complementa.
Confira outras soluções para o desperdício:
12+: o aplicativo conecta estabelecimentos com excedente de produção ou itens com “tempo de vida curto” aos consumidores. Os produtos são vendidos em caixas com até 70% de desconto. O app integra a Ação Global contra as Perdas e Desperdício de Alimento.
Fruta Imperfeita: a empresa oferece um serviço de delivery e assinatura de cestas de frutas e legumes imperfeitos que seriam descartados por não serem bonitos, apesar de frescos e saborosos. As caixas são montadas com itens surpresa de acordo com a sazonalidade e provenientes de pequenos produtores.
Feitosa Gourmet: a empresa é especializada em produtos de banana, como um ketchup feito com a planta. A empresa afirma atuar com a economia circular dos alimentos por usar frutas que seriam descartadas pelos produtores por não estarem nos padrões exigidos pelos mercado para confeccionar seus produtos.
Os ganhos econômicos e a crescente pressão dos consumidores pelos temas ESG tornaram a venda de soluções contra o desperdício mais fácil. De acordo com a “Consumer Intelligence Series”, da PWC, 83% dos consumidores acreditam que as companhias precisam ser ativas na criação de melhores práticas ESG, enquanto 86% preferem apoiar uma empresa que se importa com as mesmas questões que eles.
Outra selecionada para o programa do Instituto BRF, a WhyWaste Brasil reduz as despesas dos supermercados ao facilitar o acompanhamento dos produtos para que eles sejam vendidos antes de vencerem. De quebra, a solução ainda evita que os alimentos sejam jogados fora. A empresa criou o Semafor, um sistema que monitora as datas de validade dos produtos disponíveis nas lojas, gera uma lista de itens com datas próximas ao vencimento e dá sugestões de ações a serem tomadas. A startup ainda possui o Semafor Deli, que oferece o mesmo sistema para balcões refrigerados, e o Schema, um sistema inteligente de gestão de produção de padarias.
O descarte de alimentos é um grande problema ambiental, já que esses itens vão para os aterros onde geram gases de efeito estufa. A produção, o transporte e o apodrecimento da comida são responsáveis por 8% a 10% das emissões globais desses gases responsáveis pelo aquecimento global. De acordo com a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), se o desperdício de alimentos fosse um país, ele teria a 3ª maior pegada de carbono, depois dos EUA e da China.
Fonte: The Shift