Web Summit coloca narrativas pró e contra a rede social em apresentações sequenciais. Mark Zuckerberg perdeu feio a disputa
Por Renato Müller
Era um dos momentos mais aguardados do Web Summit 2021.
A organização do evento fez questão de capitalizar com a polêmica gerada nas últimas semanas e agendou, em sequência, duas apresentações no Centre Stage: uma pró-Facebook, para apresentar a visão da empresa sobre metaverso; e uma contrária à rede social, com uma jornalista do The New York Times que está lançando um livro sobre os bastidores da companhia.
Mas, se a expectativa era de final de Copa do Mundo, a realidade é que “virou passeio”: o Facebook tomou um 7 a 1, tamanha a diferença de postura, consistência e argumentação dos entrevistados.
O primeiro a se apresentar foi Chris Cox, Chief Product Office do Meta (novo nome corporativo do Facebook). Perguntado via videoconferência sobre as afirmações de Frances Haugen na noite de abertura do Web Summit (confira os detalhes AQUI), Cox foi evasivo. “Ela levantou questões importantes, e é positivo termos essas discussões com a sociedade. Não somos perfeitos, estamos tentando melhorar”, disse, sem efetivamente se posicionar a respeito de temas como o impacto da rede social sobre a saúde mental de crianças e jovens, ou sobre as críticas ao modelo que privilegia o impacto dos posts em vez de sua veracidade.
O festival de platitudes durou cerca de 30 minutos. Depois de afirmar que desejava que os funcionários da empresa se preocupassem com seu impacto sobre a sociedade e a internet, Cox fez uma declaração marcante: “a mensagem mais importante para nossos colaboradores é que o trabalho deles é importante”.
O editor global do site Insider, Nicholas Carlson, até tentou fazer seu trabalho, perguntando o que o Facebook tem efetivamente feito para corrigir os problemas apontados por Haugen. “É importante trazer essas questões e discuti-las. Talvez não todas de uma vez, mas é importante. Para cada uma delas, há coisas que não sabemos, e nem sempre temos uma resposta perfeita”.
O metaverso
Com isso, a conversa migrou para o metaverso, o posicionamento que o Facebook vem tentando colocar como a grande transformação tecnológica da próxima década e uma forma revolucionária de criar relações entre pessoas, e de pessoas com empresas. “Nos acostumamos com computadores no bolso e a olhar para telas. O metaverso muda isso, trazendo uma imersão completa que cria uma experiência completamente diferente”, afirma Cox.
Como que para demonstrar o conceito, um dos telões da Altice Arena passou a mostrar os avatares de Chris Cox e Nicholas Carlson conversando no metaverso. Um momento um tanto quanto Nintendo Wii que exigiu uma espécie de mea culpa de Cox. “Toda tecnologia, no início, parecia estranha. Com o tempo, as pessoas foram se acostumando, a tecnologia evoluiu com o uso e, de computadores a celulares, se tornaram parte de nossas vidas. É o que acontecerá em 30 anos com o metaverso”, argumentou.
Na visão do executivo, o metaverso não irá substituir a vida real, mas irá criar experiências e possibilidades de conexão. “É uma forma incrível de unir pessoas, facilitar os contatos digitais que hoje são cansativos e difíceis em videoconferências e gerar oportunidades de relacionamento”, afirma.
A “verdade feia”
Logo na sequência, veio o contraponto.
Cecilia Kang, repórter do The New York Times, foi entrevistada por Michael Isikoff, correspondente investigativo do Yahoo, colocou a bola no chão e saiu para o ataque: “o metaverso e a mudança de marca corporativa são uma grande distração que o Facebook está tentando causar para não ter que lidar com os problemas trazidos pela divulgação dos documentos internos”, analisa.
Na opinião dela, ainda é muito cedo para que o metaverso tenha qualquer impacto significativo na vida das pessoas, como acontece com qualquer tecnologia nascente. Por isso, a questão do metaverso tem mais a ver com o controle da narrativa. “A empresa prefere que falem de uma ideia distante do que dos problemas reais e imediatos”.
Para Cecilia, em um aspecto o Facebook é uma empresa única. “É muito raro haver uma empresa tão grande cujo fundador ainda é o CEO e o presidente do conselho. Amazon, Apple e Google, por exemplo, já superaram esse ponto há bastante tempo”, analisa. Isso significa que Mark Zuckerberg continua tendo todo o poder de decisão na empresa, mesmo com uma estrutura de governança estabelecida. “O Conselho é formado por ‘tigres de papel’ que não têm voz efetiva na direção do negócio”, explica.
Para a jornalista, o Facebook não vem sendo transparente: “É uma empresa de um CEO com muito poder e que, em um momento de crise, afirma que é importante ‘discutir esse tipo de assunto’. Até agora, porém, em nenhum momento o Facebook se abriu para discutir o conteúdo das milhares de páginas de documentos que vazaram. Muitos funcionários pediram para que a empresa ouvisse o que elas diziam e mudasse, mas isso nunca aconteceu”, conta.
O resultado é que a questão do metaverso, que é um tema com potencial, se tornou neste momento uma cortina de fumaça para distrair o público do que deveria ser o foco: o fato de que o Facebook não se mostra disposto a aceitar erros e mudar. “A ‘verdade feia’ sobre o Facebook é que seu discurso de conectar o mundo é, na realidade, um eufemismo para crescimento e dominação global. O crescimento se tornou a prioridade número 1, não importa as consequências disso para as democracias e para as pessoas, como o genocídio em Myanmar deixa claro”, afirma.
Para Cecilia, as redes sociais são um negócio que precisa ser regulamentado. “Todos os meios de comunicação estão sujeitos à regulação em todo o mundo, pois são uma utilidade pública que tem um forte impacto sobre a sociedade. Mas o Facebook não deseja sofrer nenhuma forma de controle sobre seu algoritmo ou o uso das informações de seus usuários”, completa.
Somados os “dois tempos” das apresentações, o Facebook até tentou manter a bola em seu campo, não se expor e controlar o jogo, mas acabou sendo atropelado pela consistência do time adversário. Certamente, o resultado não muda o potencial do metaverso para um futuro distante, mas deixa bastante claro que a empresa precisa repensar seu posicionamento. Por quanto tempo o “professor” Zuckerberg continuará prestigiado?
Fonte: OasisLab