Frances Haugen, ex-engenheira do Facebook, não acredita em uma mudança de rumos na empresa enquanto Zuckerberg continuar dando as cartas
O Web Summit costuma aproveitar a noite de abertura para colocar o dedo na ferida. Em 2019, colocou Edward Snowden, refugiado em algum lugar do mundo, para falar virtualmente com a plateia. Agora, foi a vez de Frances Haugen, a ex-funcionária do Facebook que revelou segredos da empresa e mostrou que a companhia estava consciente, por exemplo, do mal que as redes sociais causam para a saúde mental de crianças e jovens.
Frances não fugiu nem de perguntas mais pessoais, como o apoio dado pelos pais para que ela tivesse certeza de que não estava imaginando coisas, até questões mais de negócios, como os problemas de governança no Facebook. “O Facebook foi a quarta rede social em que trabalhei, e de longe a pior delas. É uma empresa que seguiu um caminho que coloca em segundo plano o impacto que ela causa no mundo e prioriza o lucro acima de tudo”, afirma.
Como consequência disso, a rede social desenvolveu algoritmos focados em gerar o maior engajamento possível, o que levou à priorização de conteúdos polêmicos – muitas vezes completamente falsos – que geram consequências muito ruins em todo o mundo. Se mesmo países com uma democracia mais sólida, como os Estados Unidos e o Reino Unido, foram fortemente impactados por fake news e pelo discurso de ódio, o que dirá em países mais frágeis. “A Etiópia é um exemplo de país que enfrenta inúmeros conflitos que só são exacerbados pelo Facebook”, comenta.
Tomar a decisão de divulgar milhares de documentos internos foi difícil e só veio depois de um intenso exame de consciência. “Meus pais, e especialmente minha mãe, foram uma rocha para mim. Eles me ajudaram muito por conversar e fazerem com que eu percebesse claramente o caminho a seguir. Em um certo momento, pensei que os problemas que eu via poderiam ser uma espécie de alucinação minha, mas eles me ajudaram a entender o que acontecia”, comenta.
Frances diz que não expôs o Facebook para que as pessoas se voltassem contra a empresa, mas sim para mudar o atual curso da rede. “Ideias ruins e pessoas más não são o maior problema: o maior problema é que elas recebem um megafone para falar”, comenta. Os algoritmos que gerenciam a distribuição de conteúdo na rede se baseiam em engajamento e, com isso, conteúdos polêmicos ganham mais espaço e direcionam a conversa.
“Outras empresas, como o Twitter e o Google, dão aos usuários caminhos para que elas comparem informações e avaliem a qualidade do que estão lendo. O Facebook não possui essa transparência”, comenta. Transparência, por sinal, é o maior problema da companhia: “o Facebook tem um meta problema”, comenta Frances, fazendo um trocadilho com o novo nome da empresa (Meta). “Eles precisariam priorizar sistemas básicos de segurança e integridade da informação nas redes, mas preferem colocar 10 mil engenheiros para desenvolver games”, dispara.
Na sua opinião, esse não é um problema que seja resolvido sem a saída de Mark Zuckerberg do comando da empresa. “Mark tem 54% das ações da empresa, é o CEO e chairman, e de fato dá as cartas em tudo o que acontece. É improvável que o Facebook mude enquanto ele for o CEO”, afirma. “Em minha visão, o Facebook seria melhor e mais forte com um líder que desse atenção às questões de qualidade e veracidade da informação. Por isso, seria melhor se Zuckerberg saísse”, completa.