A Raízen é uma empresa jovem, nascida da fusão de duas gigantes do setor de energia, que atua em todas as etapas do processo produtivo, desde o cultivo da cana, passando pela produção de açúcar, etanol e bioenergia, até à logística, distribuição e comercialização de combustíveis.
Há dois anos a empresa lançou o Pulse, seu hub de inovação digital. “Ao longo do tempo percebemos que sim, fazia bastante diferença ter um local para promover essa nova forma de trabalho, o relacionamento com as startups, e todas as disciplinas relacionadas à transformação digital”, comenta Fabio Mota, VP de tecnologia da Raízen, hoje responsável pelas áreas de tecnologia, inovação digital e serviços compartilhados.
O hub funciona como um organismo vivo, integrado à estrutura da empresa, mas com autonomia para garantir agilidade e evitar que seja fagocitado por outras áreas. Entre os seus objetivos está a união da criatividade dos empreendedores com a experiência e conhecimento das universidades, dos investidores, dos fornecedores e de áreas da própria companhia.
Para Fabio, um ecossistema só funciona quando todos os seus atores trabalham juntos, cada um no seu papel, dando o seu melhor naquilo que dominam. Nessa entrevista, o executivo conta um pouco da jornada da Raízen para inovar em parceria com as agritechs, as fintechs, as legaltechs e muito mais.
Disrupção é …
“Talvez até já seja batido, mas é desafiar qualquer coisa que a gente entende como status quo. Tudo o que a gente faz diferente do que historicamente vinha sendo feito, que desafie qualquer stakeholder a fugir ao padrão, puxado pelo cliente final.
Aqui na Raízen, quer queira ou não, a gente olha desde a produção da matéria prima até à sua conversão em energia, para depois levar até ao cliente final. A gente começa lá no tratamento adequado da terra, na escolha da melhor canal para cultivar, da melhor forma de acompanhar o seu crescimento, de colher, de levar até a usina, de processar para transformar em açúcar, etanol e energia elétrica e até de como aproveitar subprodutos para gerar mais energia, encontrar a melhor forma de colocar essa energia no grid, levar o etanol ao posto de gasolina e o açúcar até ao consumidor. Então a gente fala com a cadeia B2B até um determinado momento, e aí com a ponta B2C.
“Imaginar que qualquer uma dessas etapas será influenciada usando o digital é a forma como a gente busca inovar, se diferenciar e se manter bastante competitivo.”
As startups estão presentes no nosso dia a dia há pelo menos uns 5 anos, desde o momento em que começamos de fato a querer experimentar. Desde quando começaram a cair as barreiras e os medos, e apesar dos muitos riscos, a gente também passou a aprender e entender que fazer esse movimento na cadência certa, com uma boa curadoria, tomando os devidos cuidados, com metas realistas, diminui o risco e aumenta as chances de ganhos.
Primeiro a gente criou uma área de inovação, depois se aproximou das startups e aí expandiu essas iniciativas com a criação de um espaço físico, o Pulse, hoje o nosso hub de inovação.
“A partir do momento que fizemos esse movimento mais forte para falar com esse ecossistema, contar as nossas dores, os nossos desafios e os do setor, todo mundo ganhou.”
Fomos protagonistas nessa jornada do agronegócio. Parecia que o mercado estava esperando o movimento de um grande player para criar centros como o Pulse, com uma agenda forte em transformação digital.
Na parte B2C, onde entra a distribuição de combustível, é mais fácil encontrar parceiros maduros. Quanto mais próximo do consumidor final, mais natural é enxergar as oportunidades, até para o empreendedor. No B2B é mais difícil e requer ter o acesso necessário para a construção de soluções conjuntas que demandam uma integração maior.
Quando começamos o mapeamento do ecossistema, para qualificar as startups, encontramos startups com índices de assertividade abaixo daqueles que as nossas soluções internas já forneciam. Aí percebemos que o ecossistema B2B não estava pronto.
Ao mesmo tempo, uma vez que passamos a municiar esse ecossistema de mais informações e conhecimento, trabalhar junto e emprestar o “nosso campo” como um grande laboratório, permitindo a experimentação dos produtos sob uma perspectiva mais completa, percebemos que a curva de crescimento de algumas startups ficou mais acentuada.
“Falhas acontecem. Existe uma alta taxa de fracasso. Mas os poucos que acertam, trazem grandes ganhos. O importante é aprender rápido.”
Por um misto de sorte ou competência, aqui tudo aconteceu como a gente lê nos livros. As coisas deram errado logo na largada, mas em uma escala menor, sem qualquer estrago ou perda relevante. Na sequência, alguns projetos deram muito certo. O que ajudou na expansão do trabalho. Hoje temos 25 startups associadas e temos levado a inovação também às áreas de backoffice, como RH e jurídico.
No método que usamos, só passamos para as fases de busca e de screen [peneira] depois que temos bem consolidada internamente qual é a dor que precisa ser resolvida, e o que de fato vai trazer benefício. Os projetos saem do rol de projetos prioritários do ano. São aqueles que o comitê de investimentos de TI entende que não poderiam ser resolvidos pelos processos convencionais. E a curadoria das startups ajuda a minimizar os casos de insucesso e preservar a imagem positiva que a área vem conseguindo construir. Quando algo dá errado, ou quando dá certo, a gente sabe exatamente por quê.
“São dois desafios. O primeiro é entender que a inovação mais difícil do que aparenta ser. Não é para tudo e não acontece de maneira simples. E o segundo é aprender a trabalhar em conjunto com as startups.”
A inovação envolve muito mais riscos, tem um escopo menos delimitado e requer o envolvimento de muitos mais parceiros para reduzir as chances de insucesso. Confesso que no começo, por eu ser um cara que iniciou carreira em uma consultoria e que gosta de método, de organização, a forma de trabalho com as startups me pareceu meio caótica, até anárquica. Mas quando você entende e consegue conviver com isso, e consegue levar para as startups um pouco mais da realidade corporativa também, esse meio do caminho, que para mim não é exatamente o meio, é que vai fazer a mágica acontecer.
Por ser relativamente nova, e estar em um segmento que certamente sofrerá disrupção, a Raízen tem bastante flexibilidade nesse sentido. A diversificação de portfólio já é uma resposta nossa à incógnita de como será o nosso mercado no futuro. Começamos como uma empresa produtora de açúcar e etanol. Agora temos uma planta de etanol de segunda geração, uma de biogás, uma solar e adquirimos uma comercializadora de energia elétrica, expandindo tanto o portfólio de geração quanto a forma como vamos entregar.
“A ideia é aprender, obter informação e conhecimento de toda a cadeia, para poder reagir mais rápido na hora que o mercado definir um direcionamento.”
A plataforma do Pulse tem nos ajudado a diversificar em relação aos insumos que a gente vai precisar aportar. Ela tem uma área onde as startups nos procuram, de forma proativa. É uma via facilitada de acesso à gente. Mantemos um time dedicado a fazer monitoramento e o screen dessas startups. Uma mecânica que acaba nos garantindo um certo grau de atualização e agilidade.
“Eu brinco que não tenho nenhum problema em não ser o primeiro a saber. O que eu não quero é ser o último.”
Esse trabalho nos fez perceber que o mercado muda rápido. Tem coisas que parecem tendência e deixam de ser. Certas startups surgem parecendo que vão romper com algum padrão e não rompem. Outras que pareciam que não iam romper e rompem. Padrões que vão e voltam.
Por exemplo, a gente acompanha de perto a evolução dos drones, que pareciam caminhar para serem elétricos. Recentemente passamos a ver uma onda de drones sendo criados com motor a combustão. O que parecia meio fora de propósito. O acompanhamento regular do ecossistema é bem-vindo por causa disso. Talvez o óbvio não seja tão óbvio. Tem muita gente pensando em fazer coisas diferentes que podem não dar em nada, ou podem mudar tudo.
“Quando eu fui montar o Pulse, conversei com muitas pessoas e várias delas mencionaram o cuidado com o relacionamento com as startups.”
A gente não pode deixar que o nosso dia a dia, que a nossa governança padrão, atrapalhe o processo de inovação. Então, quando constituimos o Pulse a gente se perguntou qual seriam os nossos pilares, o que iríamos monitorar para saber se de fato o trabalho estava indo bem ou mal, o que a gente ia buscar de ferramenta para viabilizar esse negócio que transmite a ideia de desestruturação. Para os leigos o Pulse será sempre um espaço colorido para as startups. Mas ele é um organismo, talvez menos hierárquico, menos formal e mais permissivo, que também tem suas cobranças, suas dificuldades, seus conflitos.
Uma das pessoas com quem falei foi um diretor de inovação que me disse que só aceita o “errar é humano” se o erro gerar aprendizado. De fato, se o centro de inovações virar só um centro de erros, não haverá centro que sobreviva. Então, apesar de o Pulse ser um espaço mais flexível, me preocupei desde o início com métodos, com funções, com os objetivos… Muita coisa a gente vem aprimorando, sempre tomando cuidado para que o nosso jeito de ser como corporação ajude onde for preciso, não atrapalhe.
O primeiro funcionário do Pulse foi alguém de fora. Apesar de ter funcionários bons na minha equipe, que podiam me ajudar nesse projeto, fiz questão de trazer alguém novo. E disse para ele que eu próprio estava em processo de aprendizado e de conversão. Então ele precisaria me desafiar e ter um pouco de paciência comigo.
Durante um ano separei um dia da semana, as vezes dois, para interagir com ele e chegar naquele meio termo que mencionei. Criamos processos facilitados, como um fast tracking para aquisição de suprimentos e um processo jurídico modificado, mais leve… e também objetivos que favorecessem a uma agenda de transformação digital mais ampla.
Quem ainda não começou a pensar em um processo semelhante já está atrasado. Deve começar logo, mesmo que não saiba como. E procurar entender os conceitos por trás da inovação.
Antes de montar o Pulse conheci bem dois ecossistemas, o do Vale do Silício e o de Israel, que têm características muito distintas. Israel é muito mais corporativo. E que tem a disciplina muito presente mesmo no contexto de inovação. Já nos Estados Unidos tem de tudo… é mais amplo e tem muito mais falha também. Olhar esses dois mundos me ajudou muito.
“Quanto mais o executivo conhecer dos modelos, dos princípios, dos conceitos, dos métodos, maiores serão as chances de vender melhor o programa de inovação. Tem muita gente que entra porque é moda. E acaba matando a iniciativa.”
Fonte: The Shift