Todos os anos os olhos de quem busca inovação se voltam para Austin no início de mês de março: é na capital texana que acontece o South by Southwest (SXSW), um dos principais festivais de tecnologia, música, cinema, mídia e empreendedorismo do mundo. No evento, cuja edição de 2019 começa na sexta-feira, palestras e mesas de discussão se misturam a shows, pitches de startups e estreias de filmes – até Obama já discursou por lá. Engana-se quem pensa, porém, que trata-se de um movimento temporário: hoje, a cidade é um dos polos de tecnologia dos EUA.
Grandes empresas, como HP, Intel e Samsung, tem escritórios lá. Em dezembro de 2018, a Apple anunciou investimentos de US$ 1 bilhão para construir um novo câmpus na cidade. O local também é o berço de companhias como Dell e Whole Foods, a rede de supermercados da Amazon. Ao todo, há em Austin cerca de 6 mil empresas de tecnologia e 115 mil empregados no setor – 14% das vagas da região.
Descafeinado. Não é à toa: a cidade hoje oferece um tripé de tradição criativa, tecnológica e baixa tributação, ambiente propício para o surgimento de startups. Há até quem prefira começar sua empresa lá e não no Vale do Silício. É o caso de Lisa Falzone, da Athena Security, focada na prevenção de crimes como tiroteios e esfaqueamentos.
Aplicada a imagens de câmeras de monitoramento, a inteligência artificial da Athena pode identificar objetos e comportamentos em tempo real, antes que uma tragédia se concretize. A empresa é a segunda na trajetória de Lisa e foi fundada em Austin em 2018 – hoje, tem 16 funcionários. Até o fim do ano, planeja dobrar sua equipe.
Antes da Athena, ela fundou em São Francisco a Revel Systems, dona de um sistema de pagamentos que roda com o auxílio de iPads.
Entre 2010 e 2017, a companhia recebeu mais de US$ 160 milhões em aportes, segundo o Crunchbase, até ser adquirida por um fundo de private equity por uma quantia não revelada. Na hora de começar de novo, Lisa decidiu deixar a Califórnia. Para ela, “o Vale do Silício é só uma Austin com cafeína.”
Para a presidente executiva da Athena Security, o principal atrativo de Austin é a política fiscal. Não há tributação municipal ou estadual sobre lucros ou salários – o que favorece a contratação de pessoas. Além disso, a média de impostos anuais pagos por pessoas físicas no Texas (US$ 4 mil) é menor se comparado com Califórnia (US$ 6 mil) ou Nova York (US$ 9 mil), segundo a câmara de comércio local.
Universitária. Outro fator que ajuda as startups da cidade é a quantidade de talentos formados ali mesmo, na Universidade do Texas em Austin (UT). O empresário Michael Dell desistiu do curso medicina da instituição, aos 19 anos, nos anos 1980, para fundar sua empresa de PCs. “Um dos grandes diferenciais daqui é que dá para entrar em uma sala da UT e achar 20 alunos para trabalhar num projeto”, afirma Kevin Koym, fundador da aceleradora local Tech Ranch.
Recrutar estudantes é algo comum – a universidade até realiza feiras de empregos. “Precisamos melhorar nossas tecnologias. Viemos à feira porque o nível dos alunos é bom e seu custo é mais baixo”, conta Michael Cohen, que esteve num desses eventos na semana passada. Ele é fundador da Drones of Prey, startup que visa reduzir o número de acidentes causados por veículos aéreos não tripulados.
Canadense, Cohen é um exemplo de quem se muda para Austin em busca de qualidade de vida a custo baixo – chegou em 2018 para fazer um MBA em empreendedorismo na UT. “É um curso que não conseguiria pagar em Stanford”, diz, em referência à universidade californiana.
A relação entre academia e startups tem melhorado nos últimos anos. Segundo fontes ouvidas pelo Estado, o movimento de startups começou a crescer a partir de 2012, com incentivos da UT e do poder público. A universidade, por exemplo, criou na época o Science and Technology Affiliates for Research (Star), programa que conecta cientistas, empresas e estudantes.
Esquisita. O fato de ser uma cidade universitária também contribuiu para a cultura local – o lema oficial do município é “Mantenha Austin esquisita” (“Keep Austin Weird”, em tradução literal), com foco em fortalecer negócios da região. Mas, além de manter sua identidade própria, a cidade tem outros desafios pela frente.
Alguns deles são estruturais: com crescimento populacional de 20% na última década, Austin sofre com trânsito pesado e sobrecarga no transporte público. O aeroporto local também é pequeno, queixa-se Liza, para uma cidade de 950 mil habitantes com empresas e eventos de porte global. A cidade também precisa descobrir como vai manter suas startups quando elas se consolidarem no mercado. Segundo Koym, da Tech Ranch, é comum que empresas se mudem para o Vale quando ganham tração. “É preciso atrair fundos de capital de risco robustos”, diz.
Fonte: Terra