Consultores internacionais afirmam que o Brasil leva vantagem sobre outros mercados da América do Sul na corrida por inovar
Desde que a ida às compras foi afetada, juntamente com várias outras atividades, pelas mudanças tecnológicas das últimas décadas, as empresas do setor tentam descobrir qual o tipo de varejo que teremos no futuro. Afinal, comprar pela internet já é hábito de muitos, assim como via aplicativos, e até mesmo lojas que não possuem caixas já começam a se proliferar.
Isso não quer dizer, no entanto, que não existam muitos gargalos por enfrentar. Se lojas virtuais economizam em estrutura física e armazenamento, ainda têm grandes dificuldades para otimizar o processo logístico e de entrega ao consumidor. Assim como as indústrias, que competem por espaço para seus produtos no varejo e procuram a melhor exposição possível para eles em um ambiente ilimitado como a internet.
Mas, se o futuro ainda é nebuloso, o certo é que as empresas estão decididas a encontrar novos caminhos e criar soluções inovadoras. Quem garante são os especialistas da Bain & Company, uma das principais consultorias do setor de bens de consumo do mundo. A companhia prepara seus parceiros para um futuro em que, por exemplo, a realidade virtual gere mais receita que a televisão (previsão da Bain para daqui dez anos).
“Hoje os varejistas estão investindo mais em inovação do que qualquer outro setor”, afirma Brian Dennehy, sócio no escritório da empresa em Seattle e especializado em estratégia e marketing para o cliente. Segundo ele, há hoje um bom diagnóstico do que são os principais problemas da cadeia de consumo — sobretudo o processo logístico e a chamada “última milha da entrega”, o percurso final entre loja e residência do consumidor, que sofre com altos custos envolvendo combustível, frota de veículos e trânsito caótico.
“Hoje, não só se investe mais, como se faz isso de forma mais eficiente e de olho no desejo do consumidor”, diz.
Durante passagem pelo Brasil, Brian conversou com a Época NEGÓCIOS junto com os sócios Emron Pratt, que atua em Washington voltado a estratégias digitais, e Robin Bartling, que cuida da experiência dos clientes em São Paulo. Eles comentaram o atual nível de digitalização do varejo brasileiro e internacional, e os principais desafios pelos quais os vários segmentos de consumo passarão nos próximos anos. Confira:
Ao mesmo tempo em que passa por crescimentos constantes no comércio eletrônico, o Brasil ainda convive com lojas tradicionais e sem nenhuma digitalização em algumas regiões. Qual o atual estágio do país em relação à inovação no varejo?
Emron – Há um amplo leque de tópicos que estão se tornando mais e mais prioritários nas agendas dos CEOs e líderes da área em grandes companhias de bens de consumo no Brasil. Principalmente a respeito do impacto da digitalização na área comercial, e a importância do relacionamento com varejistas — não só as grandes redes, mas também as vendinhas de bairros, que cumprem um papel importante. Tornou-se uma preocupação grande otimizar a operação entre as fábricas e o abastecimento das lojas, que é onde se precisa de muito mais eficiência pelos custos envolvidos.
A boa notícia é que as companhias brasileiras estão se saindo melhor que as de outros mercados na América Latina. Vemos empresas pela região com um problema de falta de talentos. Tem sido difícil recrutar pessoas com talento para a digitalização. Não se encontram profissionais para tudo que se precisa fazer, e a concorrência para atraí-los é muito grande. O que as empresas vêm fazendo é construir essas capacidades em suas próprias equipes, mas isso é algo que leva tempo.
Qual o modelo de inovação que vem rendendo os melhores resultados? Criar uma área específica dentro da empresa? Parcerias com startups via venture capital?
Brian – Ambos os modelos podem funcionar, mas possuem uma taxa de sucesso que é bastante baixa, simplesmente porque são investimentos de risco. Vejo muitas empresas tentando inovar com fundos de venture capital, mas elas se esquecem que a probabilidade de encontrar algo é muito pequena. Às vezes, é preciso esperar muito até que algo aconteça. Um caminho para aumentar essas chances é identificar uma coisa que você quer melhorar na relação com o consumidor ou na operação. E aí montar times pequenos focados em um problema específico e livres da burocracia que há nas grandes empresas. Vemos isso dando certo em muitos países, e, embora não exista uma fórmula pronta do sucesso, essa é uma que pode funcionar.
Emron – Falta mesmo uma ideia clara do que se quer fazer. Eu viajei com um grupo de executivos do setor de consumo ano passado, no Vale do Silício, e eles iam às startups, animavam-se e saíam falando coisas como “temos um milhão de dólares para investir em startups”. Mas eles não percebem que é extremamente difícil fazer negócio com suas empresas. Querem se relacionar com startups da mesma maneira que se relacionam com fornecedores, com toda burocracia e processos de seleção que exigem um time de advogados só para isso. E as startups não têm essa estrutura. Muitas vezes as companhias acabam abrindo um processo de inovação apenas para descobrir que precisam estar mais abertas a parcerias.
Uma das áreas do varejo que mais vem sendo alvo de inovações é a logística — sobretudo a chamada “última milha” do processo, com entregas feitas com drones, por exemplo. Que tipo de solução você vê como mais promissora?
Brian – Há algumas coisas interessantes acontecendo. Uma envolve os drones. Eu não tenho ideia se isso de fato é prático. Mas o que gosto de ver é que as empresas perceberam que a última milha é o principal problema a se resolver. Deve haver outras milhares de ideias melhores, principalmente porque é difícil imaginar como fazer milhares de entregas com drones, em grande escala. Mas é algo a se observar, e é fato que esse é o grande problema do momento. O outro ponto positivo é que hoje os varejistas estão investindo mais em inovação do que qualquer outro setor. E os que o fazem isso de forma mais eficiente estão se concentrando no problema da última milha, mas estão fazendo isso focados no desejo do consumidor. Essas pessoas querem usar cartão de crédito ou pagar pelo telefone? Querem esperar dias para receber o produto em casa ou passar na loja no mesmo dia e retirar? Pode não se saber o que vai funcionar, mas existem muitas ideias inovadoras surgindo.
Tivemos no Brasil recentemente duas das maiores livrarias do país (Cultura e Saraiva) entrando em recuperação judicial. Já vimos notícias semelhantes no exterior. Esse mercado mudou definitivamente? Quanto os e-books já ocupam do mercado?
Robin – No Brasil, o mercado de e-books ainda não é tão relevante. Mas, de modo geral, ele tem crescido. A crise no setor de livros também deriva da crise econômica brasileira, inclusive de o próprio governo comprar menos. Além disso, há livrarias que ainda operam no modelo megastore, com custos altíssimos. Dito isso, também vimos a abertura de várias livrarias físicas, aproveitando a tecnologia e os dados online para criar uma experiência aprimorada para o cliente. Apesar do histórico mais tradicionalista do setor, alguns players estão aproveitando os dados dos clientes e a tecnologia para repensar a experiência da loja. Em relação aos e-books, a evolução ainda é liderada pela América do Norte. A Europa e o resto do mundo estão para trás. Espera-se que a participação de mercado dos e-books atinja 45% na América do Norte, 22% na Europa Ocidental e 18% no resto do mundo em 2019.
Como as estratégias de fidelização têm evoluído conforme avança a competição no meio digital? É possível falar em retenção de clientes na internet?
Emron – Essa é uma noção que mudou no período recente. Espera-se que para fidelizar um cliente a empresa vá oferecer conteúdos ou produtos personalizados. Acontece que as pessoas não percebem, mas a expectativa delas muda o tempo todo, e hoje é totalmente diferente do que era pouco tempo atrás. O que as empresas estão percebendo é que o melhor jeito de atrair clientes e retê-los é ter uma experiência fácil de compra e relacionamento.
Brian – É só ver o que acontece no setor aéreo. Estamos agora em uma série de viagens pela América Latina, com vistos e exigências diferentes em cada aeroporto. Uma década atrás eu precisaria de uma pilha de papéis para passar por isso, mas agora fica tudo no meu telefone. Só preciso dele e do meu passaporte. Quando preciso usar papéis, eu fico irritado. As companhias aéreas facilitaram todo esse trabalho. Imagine ter uma companhia aérea sem um aplicativo próprio?
Quais outros mercados devem passar por grandes transformações com o processo de digitalização num futuro próximo?
Robin – Praticamente todas as indústrias irão sofrer os impactos da transformação digital. No mercado de mídia, por exemplo, não somente os canais sofrerão transformações, mas também os desenvolvedores de conteúdo, que estão se proliferando. Em serviços financeiros, já temos bancos 100% digitais e o surgimento de inúmeras fintechs. No setor de telecomunicações, há muito espaço para explorar a experiência do cliente. Na área de mineração, há projetos que pretendem eliminar 100% das pessoas que trabalham debaixo da terra. Isso é possível e pode ser inclusive rentável de se fazer.
Fonte: Época Negócios