O ecossistema português fervilha com novos investimentos
No inicio do ano, o primeiro-ministro de Portugal, António Costa, aproveitou o Fórum Econômico de Davos, na Suíça, para anunciar, orgulhoso: Lisboa fora escolhida sede do novo centro de serviços da Google para Europa, África e Oriente Médio. Com 535 empregos em áreas que vão da gestão à engenharia de software, o investimento da gigante de tecnologia ajudou a consolidar a imagem da capital portuguesa como um hub de inovação e empreendedorismo à margem do oceano Atlântico. No mapa da economia digital, hoje, Lisboa figura ao lado de Londres, Berlim, Paris e Madri.
O ecossistema português fervilha com novos investimentos. Uber, Mercedes-Benz, Zalando e Volskswagem comunicaram a instalação de centros de serviços e de inteligência em ma capital portuguesa. Juntas, as quatro empresas devem abrir quase mil novos postos de trabalho, a maioria destinada a profissionais qualificados e bem remunerados — tanto aqueles que nasceram e se formaram em Portugal, quanto os estrangeiros, vindos de diversas parte do mundo, atraídos não só pelas oportunidades no campo do empreendedorismo digital, mas também por um país alegre, com a autoestima em alta e a econmia em ordem. “O clima é maravilhoso e a cidade é calorosa e acolhedora, duas características difíceis de replicar”, diz Armando Neves, responsável, em terras portuguesas, pela Chainsmiths, consultoria irlandesa especializada em blockchain e bitcoin.
Nascido na Guiné Bissau e criado na Suécia, Neves trabalhou na Nicarágua, Angola, Camboja e França até se mudar para Portugal, no ano passado. Montou o escritório da empresa no centro de Lisboa, onde, em seguida, instalou um café, um espaço de coworking e uma pequena casa de câmbio para compra e vende de bitcoin.
Os negócios ocupam um andar inteiro de um edifício antigo e têm como missão popularizar o uso das moedas digitais. No café e no coworking, por exemplo, são promovidos debates públicos com especialistas no assunto. Já na casa de câmbio, pessoas que tremem diante da virtualidade das moedas digitais podem adquiri-las com um agente de carne e osso. “É tudo muito novo, por isso temos de educar a comunidade para as novas tecnologias”, diz Neves, que tem entre clientes alguns dos principais bancos europeus e algumas das gigantes mundiais da contabilidade e da auditoria.
E se os negócios podem ser fechados em um lugar onde a gastronomia, a luz, a história e a qualidade de vida são produtos de exportação, melhor ainda. “O que Lisboa oferece é incalculável –dos pasteis de nata à possibilidade de se estar na praia em apenas 20 minutos”, afirma.
Natureza e cultura são as cerejas no bolo de um país que se preparou para esse momento, depois de ser duramente castigado pela crise mundial de 2008. Há cinco anos, por exemplo, o desemprego era de 16,8%, o deficit público superava os 3% e a dívida chegava a 132% do PIB. Duas décadas de investimentos em educação por parte dos governos nacional e local, muitas vezes com recursos europeus, elevaram o nível das universidades, deram reputação internacional a centros de pesquisa e formaram uma geração bilingue (segundo o Instituto Nacional de Estatística, 82,1% dos 2,8 milhões de habitantes da Grande Lisboa dominam pelo menos um idioma estrangeiro, sendo o principal deles o inglês).
Passados os anos magros da troika, quando os portugueses viveram sob a cartilha da austeridade do FMI, do Banco Central Europeu e da Comissão Europeia por uma ajuda de 78 bilhões de euros, o país voltou a respirar e a colher os frutos dos investimentos anteriores. Em 2017, o crescimento foi de 2,7%, o maior desde 2000, o deficit recuou para 1,1% e a divida caiu para 126% do PIB.
O investimento subiu 9%, grande parte com recursos de origem privada e estrangeira, e o desemprego despencou para 8,9%. O turismo bateu recordes seguidos, com 20 milhões de visitantes por ano, o dobro da população nacional, e alavancou o setor imobiliário, a construção civil e, principalmente, a área de eventos. No primeiro semestre do ano, as atenções se voltam para a Arco Lisboa, extensão da Arco Madrid, uma das principais feiras de arte do mundo.
Nos meses de novembro, é a vez da Web Summit, a maior conferência de tecnologia e inovação da Europa, que, esse ano promete, reunir cerca de 70 mil pessoas de várias partes do globo para ver e ouvir os CEO´s das principais empresas de tecnologia do mundo e algumas das mais importantes personalidades da política internacional.
Maior cidade de Portugal, Lisboa sempre foi beneficiada pelos investimentos públicos e privados e pelo boom do turismo, mas é certo que conta com atributos estratégicos para justificar esse direcionamento de recursos. Tem uma localização privilegiada, situada no meio do país e no extremo oeste da Europa.
O aeroporto, por exemplo é uma porta de entrada e de saída do continente, com voos diretos para as principais cidades da África, América do Norte, América do Sul e até Ásia. As maiores capitais europeias estão a apenas duas horas de distância. “É possível ir a Londres, participar de uma reunião e voltar para dormir em casa, por um custo baixo”, diz o publicitário brasileiro Alex Luna, que depois de morar por 13 anos na Espanha e nos Estados Unidos escolheu Portugal para empreender.
Ele investiu 40 mil euros, cerca de 160 mil reais, num coworking space de 210 metros quadrados no bairro do Intendente, onde a população local convive com a crescente comunidade de imigrantes vindos de Bangladesh, Paquistão e China. A região também tem acolhido jovens empreendedores e profissionais nômades da Europa e dos Estados Unidos, o público-alvo do coworking lançado pelo brasileiro.
Apesar da badalação com a chegada das gigantes da tecnologia, são essas iniciativas de pequeno porte que dão densidade ao ecossistema empreendedor de Lisboa. A maioria dos negócios aproveita o vácuo deixado pelas grandes companhias nas indústrias que mais crescem na capital, como o turismo, a educação e a saúde. Só em 2016, foram criadas 5 480 empresas na cidade, que tem apenas meio milhão de habitantes. Entre 2014 e 2016, surgiram 700 companhias somente no setor de alta tecnologia. Lisboa tem atualmente 32 incubadoras e aceleradoras, mais de 50 espaços de coworking e seis Fablabs, a mesma quantidade que São Paulo, cidade com população 24 vezes superior à da capital portuguesa.
Até agora as startups lisboetas levantaram pouco mais de 200 milhões de euros em investimento, quase meio bilhão de reais. Cerca de 40% desses recursos foram destinados a alguns dos 250 empreendimentos incubados na Startup Lisboa, criada em 2012 pelo município em parceria com o Banco Montepio e o Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e à Inovação (IAPMEI). “O acesso ao capital ainda é a nossa maior dificuldade, pois precisávamos ter uma economia mais capitalizada, que é o que os Estados Unidos têm de maravilhoso”, afirma Miguel Fontes, CEO da incubadora. “Aqui, a exigência de um business angel é tão grande ou maior do que a de uma firma de capital de risco e a única forma é demonstrarmos com casos de sucesso que vale a pena apostar aqui e captar o interesse de investidores internacionais”, completa.
A fabricante de brinquedos educativos Sciency4You é um desses casos de sucesso, mas levou quase dez anos para receber um aporte de capital de risco. O acordo de financiamento com o Banco Europeu de Investimento, no valor de 10 milhões de euros, pouco mais de 40 milhões de reais, foi assinado no final do ano passado, quando a empresa já acumulava pontos de venda em 40 países e faturava quase 20 milhões de euros por ano. “Precisamos de uma rede de apoio mais consistente e que existam fundos de capital de risco e incentivos ficais que permitam que as empresas cresçam”, defende o CEO Miguel Pina Martins, que fundou a empresa ao ser desafiado num projeto de empreendedorismo durante o curso de mestrado. “Somos um país de descobridores aventureiros, com uma grande vontade de mudar o mundo”, conclui o empresário, com a experiência de quem se aventurou a cresceu quase sem apoio quando o país atravessava uma de suas piores crises econômicas.
Fonte: Época Negócios