O ecossistema brasileiro se consolida em 2020 e abre caminho para um crescimento ainda mais acelerado nos próximos anos
Em 1939, dois estudantes da Universidade de Stanford, na Califórnia, fundaram uma empresa na garagem e, com apenas US$ 538, criaram o embrião do que viria ser a HP (Hewlett Packard), após a provocação de um de seus professores. Começava aí o Vale do Silício e a história de empreendedorismo em tecnologia. Pouco mais de 50 anos depois, com a bolha da internet, o termo startup foi criado para descrever empresas inovadoras e de alto crescimento.
Por mais que tudo isso tenha começado no século passado, o Brasil demorou um pouco mais para entrar na onda. Tirando algumas exceções como Flores Online, Buscapé, e a Endeavor – que chegou ao país no ano 2000 –, quase não se falava aqui sobre empreendedorismo. E abrir a sua empresa era ainda mais visto como uma necessidade (perdi o emprego e vou abrir o meu negócio) do que uma oportunidade.
Na última década isso já vinha mudando, e se intensificou ainda mais a partir de 2018, intitulado “o ano das startups no Brasil”, quando oito empresas se tornaram unicórnios – até então o Brasil não tinha startups no clube do US$1bilhão de valuation – e chamaram a atenção de todos. Assim, a startups passaram definitivamente a dominar os eventos, noticiários, e até mesmo as rodas de conversas em grandes corporações.
O Brasil no mapa das startups – de uma vez por todas
Liderado por empresas como Nubank, o ecossistema de startups do Brasil tem chamado cada vez mais atenção do resto do mundo. O Global Startup Ecosystem Report (GSER), estudo anual da Startup Genome, voltou a colocar o Brasil no mapa em 2019, destacando a cidade de São Paulo como um dos trinta ecossistemas mais promissores do mundo e o terceiro mais relevante na fase de globalização, que pressupõe a expansão do ecossistema e de suas startups para outros países. Além de São Paulo, Curitiba também foi citada no ranking como um ecossistema no estágio anterior, de activation.
Em 2020, mesmo com a pandemia, tivemos boas notícias que provavelmente nos garantirão um lugar nesse mesmo ranking, com a Cristina Junqueira sendo a única brasileira na lista da Fortune Under 40, a Loft entrando para a lista dos unicórnios e diversas startups brasileiras crescendo com força fora do Brasil, como a Inloco e o Gympass.
E não são só os unicórnios que estão ganhando o mundo: basta olhar para o programa de Growth da 500 Startups Miami. Criado em 2018 para ajudar startups em fase inicial de crescimento a acelerarem o seu processo de vendas e se prepararem para um investimento Series A, o programa – que não toma equity da startup – seleciona dez startups por vez para passarem por um processo de três meses de mentorias e treinamentos.
Entre 2018 e 2019, apenas quatro startups brasileiras figuraram entre as selecionadas – Apptite, Herospark, n2b e Runrun.it. Em 2020, seis empresas brasileiras se uniram à lista: Birdie.ai, Idez, Konduto, Medicinae Solutions, NOVIDÁ e Uello.
Um futuro promissor
Um ecossistema empreendedor de sucesso pressupõe a existência de uma série de stakeholders e fatores que proporcionem o surgimento e sucesso de novos negócios. Eles normalmente se desenvolvem em ondas, com a formação de redes que, uma vez criadas, facilitam a atração de talentos, capital e também influenciam novas gerações de empreendedores a surgirem, estimulando o surgimento de novas ondas e mantendo o ciclo virtuoso que se fortalece e expande cada vez mais. Vale ler o playbook da Kauffman Foundation a respeito. A própria Endeavor, já citada nesse artigo, é um exemplo disso, com uma rede de mentores e empreendedores que se apoiam e estimulam o crescimento do ecossistema.
A meu ver, o ecossistema brasileiro está entrando em sua terceira e maior onda, com empreendedores que tiveram sucesso no passado, como o Romero Rodrigues, do Buscapé, investindo em outros empreendedores ou iniciando novas startups no Brasil – caso da “máfia da 99” composta por ex-funcionários da startup que saíram de lá inspirados a empreenderem. Ou até no mundo, caso da Brex, uma das startups mais quentes do Vale do Silício.
Próximos ondas
É claro que ainda temos um longo caminho pela frente. No GSER, os ecossistemas são avaliados de acordo com os seguintes critérios: performance, funding, conectividade, alcance de mercado, conhecimento (P&D) e talento. São Paulo se destacou em performance e conectividade, mas ainda tem muito a evoluir em funding, P&D e talentos.
Acredito que funding já não será um problema em breve. Além de fundos maiores, como o Softbank (com $5 bilhões dedicados à América Latina), cada vez mais empreendedores, executivos estão investindo em startups, seja individualmente ou por meio de grupos como o GVAngels – que fundamos há três anos e hoje já tem mais de 200 associados e R$7.2 milhões investidos – valor que deve quase dobrar ainda este ano. Se a performance estiver lá, o dinheiro também estará.
O mesmo vale para talentos e P&D: o Brasil é uma fonte incrível de talentos, com cidades como São Carlos, que forma mais de 10.000 engenheiros e cientistas de dados todos os anos e tem o maior índice de PhDs per capita da América Latina. Temos também algumas das melhores universidades do mundo em negócios, e um ambiente que forma empreendedores resilientes, ágeis e criativos. Com o sucesso e fortalecimento do ecossistema, mais desses talentos optarão por criar ou trabalhar em startups e mais inovação será gerada.
Por isso, não tenho dúvidas ao afirmar que o nosso futuro como ecossistema de startups é promissor. Estou ansiosa pelo que está por vir e feliz em poder participar de forma ativa da construção disso, tanto como empreendedora quanto como investidora, e espero poder contribuir mais a cada dia para que nosso futuro promissor seja cada dia mais uma realidade.
Patrícia Osorio é cofundadora da BIRDIE.AI e do GVANGELS
Fonte: Whow