“Dez anos atrás, os melhores alunos do Brasil iam fazer carreira em grandes empresas”, diz Martín Escobari, chefe para a América Latina da General Atlantic (GA), gigante americana de private equity que administra investimentos em todo o mundo. “Hoje eles iniciam startups.”
Um dos motivos é o sucesso rápido e crescente desses empreendedores: há poucos anos, quase ninguém no Brasil sabia o que era uma startup unicórnio, ou seja, uma startup que vale mais de US$ 1 bilhão. Mas então, em janeiro de 2018, a empresa de serviços de transporte chinesa Didi Chuxing comprou a 99App, versão brasileira da Uber fundada seis anos atrás, por US$ 1 bilhão – tornando-se assim a 1ª unicórnio brasileira. Agora há cerca de uma dezena delas.
Em Wall Street, foram as fintechs PagSeguro e Stone, que oferecem serviços financeiros e sistemas de cartões de crédito para pequenas empresas, que ousaram os primeiros IPOs, a oferta inicial de ações na bolsa de valores. Em sua entrada na bolsa, cada uma das empresas arrecadou mais de US$ 2 bilhões.
Enquanto isso, já existe até mesmo a 1ª “decacórnio” brasileira, o banco online Nubank, que estaria valendo US$ 10 bilhões.
Hoje, fazer parte de uma startup se tornou atraente para os profissionais altamente qualificados brasileiros, que antes buscavam empregos sólidos e bem pagos em bancos e grandes empresas.
Uma razão é que hoje existe capital de investimento para empreendedores. No Brasil, após cinco anos de recessão e estagnação alternadas, há uma nova estabilidade no mercado financeiro. A taxa básica de juros Selic se encontra numa baixa histórica de 5%. Além disso, investidores brasileiros buscam oportunidades de investimentos de longo prazo no país.
Por outro lado, muitos fundos de capital de risco estrangeiros se encontram ativos no Brasil. De acordo com estimativas da associação do setor ABVCAP, o investimento neste ano – de US$ 1,7 bilhão – será 5 vezes maior do que em 2015.
Para a General Atlantic, que investiu cerca de US$ 35 bilhões em 15 países, o cenário brasileiro de startups é atualmente um dos mais lucrativos do mundo: no ano passado, o fundo obteve um lucro líquido estimado em mais de US$ 1,5 bilhão com a venda de suas ações da XP Investimentos, uma plataforma para investidores privados.
Um dos investidores estrangeiros mais ativos é o Softbank do Japão, que investe maciçamente já há algum tempo em potenciais unicórnios: elas incluem o próprio Nubank; a Loggi, serviço de entregas para pessoas físicas e empresas; e a Gympass, serviço de atividade esportiva que dá acesso através de seu aplicativo a academias no Brasil e em todo o mundo.
O Softbank criou um fundo de US$ 5 bilhões apenas para a região latino-americana. “A América Latina tem o dobro do rendimento econômico da Índia, mas apenas uma fração de seu capital de risco”, disse Massayoshi Son, do Softbank, à revista de economia Exame. “Um mercado tão grande, privado historicamente de capital e ambição, oferece muitas oportunidades para nós.”
Mas, em última análise, são os muitos problemas grandes e não resolvidos que criam um ambiente favorável para startups no Brasil: o Estado brasileiro é cada vez menos capaz de proporcionar serviços públicos na área de segurança, educação, saúde, habitação, infraestrutura, transporte, logística. Com a internet e a inteligência artificial, muitos problemas podem ser resolvidos de forma bem diferente de como eram até pouco tempo atrás.
Além disso, a grande população torna o Brasil atraente para startups que desejam multiplicar seu modelo de negócios. “Existem poucos países com um único idioma, tantos problemas e 210 milhões de habitantes”, diz Romero Rodrigues, fundador do Buscapé, uma das primeiras plataformas online de vendas.
É fascinante ver como líderes tradicionais de mercado estão começando a suar com a nova concorrência: por exemplo, grandes bancos privados, como Itaú e Bradesco, que há décadas estão acostumados com lucros acima da média na comparação internacional. Os novos bancos digitais estão lhes tirando essa “galinha dos ovos de ouro” a uma velocidade que ninguém esperava. Agora, esses líderes de mercado precisam fechar rapidamente suas filiais, porque são muito caras em comparação com os concorrentes que oferecem apenas contas digitais.
Jorge Paulo Lemann, a 2ª pessoa mais rica do Brasil, criou a maior cervejaria do mundo com a AB Inbev e também tem participação na Kraft Heinz através de seu fundo de investimentos 3G.
Mas também o suíço-brasileiro Lemann, um investidor da velha guarda que apostou em marcas de consumo conhecidas e enriqueceu, diz ver o futuro do Brasil em startups de tecnologia e na revolução que elas estão iniciando: “Eu acho que, futuramente, entre as dez empresas mais valiosas do Brasil, cinco virão do setor de tecnologia – como nos EUA.”
Há mais de 25 anos, o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul do grupo editorial Handelsblatt (que publica o semanário Wirtschaftswoche e o diário Handelsblatt) e do jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em São Paulo e Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.
Fonte: Poder 360