Estudo do Distrito, divulgado com exclusividade pelo NeoFeed, mostra que as fintechs foram responsáveis por 35,6% de todo o capital investido por fundos de venture capital em startups no Brasil em 2019. Mas essa festa parece que pode terminar
O Brasil é o paraíso das fintechs. Não é um exagero. No ano passado, as startups financeiras receberam US$ 910 milhões de investimentos de fundos de venture capital, o equivalente a 35,6% de todo o capital aportado em startups no mercado brasileiro no período.
Para se ter uma ideia do volume, o capital alocado em fintechs é mais do que o que foi investido em startups de mobilidade e de recursos humanos somadas, que são a segunda e a terceira áreas que mais receberam recursos de fundos de venture capital em 2019.
Isso é o que revela a segunda edição do estudo Fintech Report, realizado pelo Distrito, ecossistema de inovação aberta de startups, divulgado com exclusividade pelo NeoFeed.
Desde 2015, as fintechs receberam US$ 2,4 bilhões em investimentos em mais de 200 rodadas. No ano passado, o volume aportado foi 183% maior do que 2018, quando as gestoras de capital de risco investiram US$ 310 milhões.
“É um mercado gigantesco, com muita burocracia e processos demorados”, afirma Tiago Ávila, responsável pelo Distrito Dataminer, braço de pesquisa do Distrito, responsável pela pesquisa, justificando o alto volume investido nas fintechs.
O relatório identifica 742 fintechs. No estudo do ano passado, eram 553. A diferença entre os dois anos não significa que surgiram novas 189 startups financeiras. Ávila explica que a metodologia, que usa uma base de dados de mais de 9 mil startups, foi aprimorada e conseguiu detectar mais empresas no relatório desse ano.
Pela metodologia, a pesquisa classifica as fintechs por seu ano de fundação. No ano passado, foram fundadas 50 novas fintechs. Em 2018, surgiram 102. De 2016 a 2019, nasceram quase 50% de todas as startups financeiras identificadas no estudo do Distrito.
Desde 2015, as fintechs receberam US$ 2,4 bilhões em investimentos em mais de 200 rodadas
No estudo, o Distrito faz uma seleção das dez fintechs mais promissoras do mercado brasileiro, com base em cinco critérios: faturamento presumido, total de investimento captado, número de funcionários, acesso ao site e métricas de redes sociais.
As escolhidas foram Nubank, Ebanx, Stone, PagSeguro, Neon, C6 Bank, PicPay, Creditas, Weel e ContaAzul. O Nubank está no topo, avaliado em US$ 10 bilhões. A Ebanx vale mais de US$ 1 bilhão. PagSeguro e Stone têm capital aberto nos Estados Unidos e seus valores de mercado são US$ 9,2 bilhões e US$ 7,4 bilhões, respectivamente.
Fim da festa?
O volume de venture capital investido em todas as startups brasileiras saltou de US$ 400 milhões para US$ 600 milhões nos quatro primeiros meses de 2020, quando comparado com o mesmo período do ano passado.
Mas o volume investido em fintechs caiu. Neste ano, as startups financeiras já receberam US$ 30 milhões por conta de 11 aportes. Os recursos representam um quarto do que foi investido no mesmo período do ano passado, quando o montante atingiu US$ 121 milhões em 27 negócios.
“No ano passado, aconteceram alguns aportes muito grandes em fintechs”, justifica Ávila a queda nos investimentos. Nos quatro primeiros meses de 2019, a Contabilizei, a Zoop e a Omie receberam quase US$ 60 milhões em rodadas de captação.
Será que essa queda de investimento em fintechs no começo deste ano é um indício de que a euforia nas startups financeiras já passou? Para saber a resposta, é preciso entender a cabeça de quem investe.
Em geral, os fundos de venture capital buscam investir em startups que atuam em mercados grandes, com razoável ineficiência e barreiras de entradas. Como o mercado financeiro é altamente regulamentado, é muito difícil um player internacional se estabelecer nessa área. São todos ingredientes que fazem os olhos dos investidores brilharem.
“É o que nós chamamos de jardim murado”, diz Romero Rodrigues, sócio da Redpoint eventures, o segundo fundo que mais participou de rodadas de investimentos em fintechs no Brasil, de acordo com o estudo do Distrito. “E fintechs têm um muro bem alto, que cria muitas oportunidades.”
A Redpoint eventures, que está só atrás da Monashees quando o assunto é investimento em fintechs, fez aportes em nove startups do setor desde 2012. Entre elas, a Creditas. Mas agora está apostando nas que já fazem parte de seu portfólio. “Dobramos a aposta naquelas que estavam vencendo”, afirma Rodrigues.
De acordo com o investidor, o fato de as fintechs estarem na moda deixou o mercado altamente competitivo. “Lá atrás, a Nubank e o Neon queriam construir um banco digital. Hoje, já há muitas iniciativas de bancos digitais ou de contas digitais”, diz Rodrigues.
A competição não se restringe mais as fintechs. Empresas tradicionais estão entrando nessa área. É o caso da Via Varejo, que comprou a BanQi, ou da B2W, que lançou sua carteira digital batizada de Ame. O Carrefour também adquiriu uma fatia de 49% da Ewally, fintech que oferece serviços de pagamento de contas, transferência de dinheiro, cobranças e recargas pelo celular.
Os bancos tradicionais também não estão parados e começaram a se movimentar para enfrentar a ameaça das startups financeiras. O BTG Pactual, por exemplo, comprou 20% da CredPago, startup que dispensa fiador para o aluguel de imóveis, em fevereiro deste ano. O Itaú Unibanco adquiriu, no fim do ano passado, uma fatia da PraValer, que dá crédito para estudantes de universidades privadas.
O BV também tem um fundo de corporate venture para investir em startups. A instituição financeira controlada por Votorantim e Banco do Brasil tem fatias em companhias como Olivia, de inteligência artificial, e a Just, braço de empréstimo online que pertencia ao GuiaBolso. O Banco Original, por sua vez, investiu no PicPay e é o controlador da startup.
“As fintechs, com a regulação correta, deveriam ajudar a diminuir a concentração bancária. Mas competir com os grandes bancos não é fácil”, diz Renato Ramalho, CEO da gestora KPTL, que tem em seu portfólio a Mark2market, uma plataforma de gestão de riscos para tesourarias. “Ao contrário do que muita gente pensa, os grandes bancos não são ineficientes, são poderosos e contam com muita gente boa.”
Com o mercado altamente competitivo na área de fintechs, os fundos de venture capital estão mirando seus olhares para outras áreas. Em especial, o setor de saúde, que mudou de patamar com a pandemia do coronavírus.
Não há dados de investimentos neste segmento desde que começou a crise do coronavírus, mas muitos aportes foram feitos recentemente em empresas dessa área.
O apetite dos fundos de venture capital parece que cresceu para as healthtechs. Na terça-feira, 26 de maio, a Stone, por exemplo, anunciou a compra da startup de saúde Vitta.
Nos quatro primeiros meses deste ano, as healthtechs receberam vários aportes, como a Conexa Saúde, que atua na área de telemedicina, que recebeu um aporte da e.bricks ventures e está negociando mais uma rodada de investimento.
As fintechs não vão sair do radar. O apetite por essas startups, no entanto, deve ser mais moderado. Agora, ao que tudo indica, a bola da vez são as startups de saúde.
Fonte: Neofeed