Nos últimos anos, o Brasil assistiu a um crescimento vertiginoso do número de startups. Iniciativas de fomento à pesquisa e à inovação levaram milhares de jovens a desenvolver soluções disruptivas para seus respectivos mercados de atuação, alimentando um ciclo de empreendedorismo que deu origem a inúmeras novas empresas.
De acordo com o Global Monitor, o Brasil é o terceiro maior país em número de startups, mas ocupa a 44ª posição no ranking dos locais mais amigáveis para empreendedores do mundo, devido à burocracia e aos impostos elevados. Além disso, o portfólio de empreendedores ainda é pouco diverso do ponto de vista geográfico, formando uma espécie de “bolha” de startups em cidades como São Paulo, Florianópolis, Distrito Federal e Recife.
Para entender como o ecossistema de inovação brasileiro se desenvolveu nos últimos anos e quais são as tendências para esse setor, o Whow! conversou com Camilla Junqueira, diretora-geral da Endeavor Brasil, e Itali Collini, diretora de Operações da 500 Startups no Brasil.
Ecossistemas de inovação
Whow! Você acha que vivemos em uma bolha de inovação? Como levar isso para outras regiões do país?Camilla Junqueira: Sim, eu acho que a gente ainda vive numa bolha, mas que bom que pelo menos ela existe. Alguns anos atrás, o ecossistema de inovação no Brasil era inexistente, então temos que começar de algum lugar. Nada mais natural que seja na cidade que tem o maior PIB do Brasil, onde tem uma concentração de grandes corporações, o maior mercado.
Tem muito empreendedor que é de fora de São Paulo e que está aqui hoje. Esses empreendedores têm uma responsabilidade de voltar para as suas cidades e disseminar essa cultura, mentorando e investindo em startups locais. Acho que esse é um movimento natural.
Itali Collini: Acho que nós conseguimos entender pelo contexto histórico o porquê de estarmos concentrados em São Paulo. A maior parte do capital sempre esteve aqui, então é natural que investimentos de risco, como em inovação, sejam feitos aqui. Mas já conseguimos enxergar que não vamos atingir o número de talentos que estão surgindo se nos concentrarmos somente em uma região.
Eu enxergo a nossa bolha como algo necessário para criar uma cultura de inovação no Brasil, mas que hoje precisa ser quebrada para que a gente consiga encontrar talentos de perfis, histórias e lugares diferentes do que a gente tem hoje. Nós, integrantes desse ecossistema, precisamos tomar ações concretas: ir até comunidades de empreendedores fora do eixo de São Paulo, chegar a mais mulheres, negros e indígenas que estão empreendendo. Só assim essas pessoas conseguirão ver que é possível acessar espaços como os nossos.
Se a gente não faz isso de uma maneira ativa, as chances de encontrar talentos diminuem muito, o que empobrece o nosso portfólio. Os nossos investimentos só vão ser melhores quanto melhores forem os nossos processos para encontrar essas startups e esses empreendedores.
W!: Como você acredita que a educação de investidores e empreendedores pode melhorar o uso do capital?
CJ: Hoje, com os juros mais baixos, tem cada vez mais investidor entrando no mercado, e muitas vezes são investidores-anjos, que não têm experiência com isso. Então, eu sugiro que os novos investidores busquem conhecimento, falem com quem já faz isso há mais tempo e se inteirem muito para não cair em “roubadas”.
O empreendedor, por sua vez, precisa entender que o melhor capital é o capital inteligente, que vem um mentor junto, que vai ajudar o seu negócio a crescer. É preciso entender também quanto vale aquele capital. O que a gente mais vê são empreendedores chegando ao processo da Endeavor já com um cap table muito ruim, com uma porcentagem muito pequena do negócio para eles. Isso é reflexo de erros que eles cometeram lá no começo. Então, estude muito e vá buscar conhecimento para errar menos.
IC: Desenvolver educação é algo que leva muito tempo. A gente tem feito isso de uma maneira coletiva no ecossistema, mas eu acho que envolve diferentes estágios. Você tem desde o empreendedor que tem a ideia, mas não sabe como tirá-la do papel, até empresas que já estão crescendo muito, mas que ainda não conseguiram acessar fundos maiores para se tornar grandes corporações, como se tornaram o Facebook, Google, etc. Então eu acho que em cada estágio da jornada desse empreendedor e dessa startup existe uma entrada de educação e preparação não só do empreendedor, mas também do investidor, que precisa entender como fazer investimentos sem extrapolar o crescimento da empresa.
Tendências e relação com corporações
W!: Como as relações das startups e scale-ups com o mundo corporativo podem melhorar?
CJ: Acho que hoje a gente já vê níveis de maturidade diferentes entre uma empresa que está começando a fazer inovação aberta e uma empresa que está mais avançada. Pelo lado da corporação, acho que o ideal é enxergar a startup e a scale-up como iguais.
Você não pode impor as suas condições pra essas empresas, porque precisa delas tanto quanto elas precisam de você. O empreendedor, por sua vez, tem que saber muito bem onde está se metendo: o que ele precisa da corporação, o que ele quer dela e entender se é o momento certo de fazer uma parceria com uma grande empresa.
IC: Eu tenho três dicas: primeiro setar a sua estrategia de inovação e saber qual objetivo você quer ter com isso e ter KPIs para medir este caminho; segundo descobrir o melhor método para a sua estratégia, que pode ser prova de conceito, investir em estratégia ou acompanhar uma rodada de startups, não dá para saber se você não tiver uma estratégia; e terceira é flexibilizar os seus processos para a contratação de fornecedores, se você quiser ter um bom relacionamento com startups, você vai precisar de contratos mais flexíveis que os tradicionais.
W!: Quais são as tendências em inovação para o Brasil em 2020?
CJ: Acho que tem três tendências principais. O movimento de inovação aberta, que é basicamente a conexão de grandes corporações com scale-ups e startups. Acho que a gente, como ator do ecossistema, tem uma responsabilidade em educar as duas partes para que essa relação seja a melhor possível.
O segundo ponto é o crescimento da educação para preparar mais os empreendedores para receber capital, já que ainda tem muita desinformação do lado do empreendedor, e que alguns investidores adotam práticas questionáveis.
Por fim, o terceiro ponto, para mim, é a reforma tributária no Brasil. A gente está aqui trabalhando fortemente, porque ela pode mudar, sim, o ecossistema como um todo. Essa pauta não pode cair.
*Com colaboração de Éric Visintainer
Fonte: Whow