Vou ser bem sincero: não voltei chocado da China. Todos os relatos que tenho lido nos últimos anos me prepararam bem para o altíssimo grau de inovação com o qual o estrangeiro se depara ao chegar ao gigante asiático. No entanto, depois de uma semana visitando grandes empresas e startups, consigo afirmar que encontrei por lá um cenário surpreendente, tanto do ponto de vista dos negócios quanto de sociedade, onde o investimento pesado em tecnologia mostra-se capaz de lançar produtos e serviços revolucionários em grande escala.
Ao desembarcar em Xangai, centro financeiro chinês, me deparei com uma cidade high-tech, limpa e apinhada de arranha-céus modernos, que poderiam facilmente fazer inveja a Nova York. Mas, para mim, nada superou estes três insights: 1) a influência sem paralelos dos superapps, que me mostraram o quanto conveniência e rapidez mudam a rotina de toda uma população; 2) a implementação realmente bem-sucedida do blockchain; e 3) como a China está muitos passos à nossa frente no uso de tecnologia – e como se aproximar deles é um grande (e ótimo) desafio para o Brasil.
Vou explicar melhor.
Evolução nos meios de pagamento
Anos atrás, era a China que estava atrás. O país registrava quase todas as operações financeiras apenas com dinheiro em espécie. Eram milhares de lojas e restaurantes sem dispositivos para cartões magnéticos. Foi aí que o sistema local encontrou uma oportunidade e “pulou” uma fase, a das maquininhas de cartão, unindo o aplicativo para troca de mensagens mais popular do país, o WeChat, a um sistema de pagamentos por QR Code, e, voilá, agora todo chinês é capaz de pagar suas compras no débito pelo celular simplesmente apontando o dispositivo para um QR Code, e sem precisar tocar em um cartão físico.
Para chegar até aí o caminho percorrido nem foi tão longo. Foi somente em 2011 que a China lançou o WeChat – e é importante lembrar aqui que o acesso a apps mundialmente populares como WhatsApp, Facebook e Twitter é bloqueado no país. Em pouquíssimo tempo, o aplicativo, desenvolvido pela Tencent, era o mais usado pela população local. Estima-se que hoje mais de 1 bilhão de pessoas usem o app em todo o mundo – número, claro, impulsionado pelos usuários chineses. E ganhou um forte concorrente: o Alipay, que faz parte do superapp do conglomerado Alibaba.
A jogada de mestre, tanto do WeChat quanto do Alibaba, foi unir múltiplas funções em um mesmo lugar: você paga seu café pela manhã, chama um táxi para o trabalho, pede comida na hora do almoço, faz reserva para uma viagem no fim de semana, armazena e envia documentos e, mais recentemente, realiza pequenos empréstimos financeiros em um ou dois toques, num único aplicativo.
Modelos de negócio de uma superseguradora
Na minha área, a de seguros, tive a oportunidade de conhecer a gigante Ping An. A seguradora tem 1,8 milhão de funcionários, sendo que 1,4 milhão deles são corretores — para efeito de comparação, a SulAmérica conta, atualmente, com 5 mil colaboradores e mais de 36 mil corretores parceiros.
A Ping An ganhou muito corpo com o crescimento da classe média chinesa, que vem comprando cada vez mais veículos. Só no ano passado, 30 milhões de carros passaram a circular no país. Imagine o potencial de novos seguros anuais que isso representa.
Mais uma vez, comparo com números nossos: aqui no Brasil, em 2018, registrou-se um crescimento de 14,6% na comercialização de veículos, com 2,7 milhões de novos emplacamentos. Ou seja, a China vendeu dez vezes mais carros do que o nosso país no mesmo período.
E o espaço para esse mercado crescer ainda é grande. Enquanto os Estados Unidos têm uma proporção de 1,2 habitante por veículo e o Brasil, 4,8, a China tem 6,5.
Surfando como poucas na onda do aquecimento do mercado de automóveis da China, a Ping An diversificou seu negócio e, hoje, além de vender seguros, tem um portal para compra e venda de carros e até mesmo uma marca de cosméticos. A empresa também vem monitorando escolas locais, com objetivo de identificar talentos, treiná-los e trazê-los para trabalhar, um dia, na companhia.
A superseguradora também saiu na frente ao identificar as deficiências do sistema público de saúde chinês. Embora o “SUS” deles funcione razoavelmente bem nas cidades mais ricas, há uma grande oportunidade a ser explorada na iniciativa privada.
Observando isso, a Ping An abriu sua própria empresa de saúde, e no dia que visitei a estrutura, notei que o sistema deles reunia 5.000 médicos online, conectados à rede, à espera de pacientes para consultas à distância. É a telemedicina levada a um outro nível. Essa modalidade de atendimento, aliás, tem angariado muitos investimentos na China, principalmente entre as startups que se dedicam a desenvolver ferramentas e sistemas que tornem a experiência com a medicina na tela a melhor possível.
Lições da China para o Brasil inovar
Por fim, não tenho dúvidas de que o grande segredo das empresas chinesas bem-sucedidas é investir alto em tecnologia própria. No tour que fiz na Alibaba, que controla a conhecida AliExpress, passei por um estande que mostra a linha do tempo da empresa. Me chamou a atenção a virada da companhia, que começou a lucrar mais quando desenvolveu seus próprios sistemas, com tecnologia e mão de obra local, e pôde parar de pagar royalties de utilização para grandes empresas norte-americanas de tecnologia.
Não foi sem razão, portanto, que a China assumiu a dianteira dos países com maior número de patentes, ultrapassando os Estados Unidos.
Para ser pioneiro em tecnologia é preciso investir tanto em mão de obra qualificada quanto em produção própria, diagnóstico, aliás, que o próprio governo brasileiro chegou a fazer em 2018, com a edição do relatório “Indicadores Nacionais de Ciência, Tecnologia e Inovação“.
O documento mostra, entre outros pontos, os caminhos que nosso país deve percorrer para melhorar seu desempenho em tecnologia e inovação: além de registrar mais patentes e dedicar-se à produção científica, o próprio Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) reconheceu que o Brasil deveria investir mais em recursos humanos, na melhoria de nossos índices socioeconômicos e em publicações científicas, ou seja, na lição de casa feita pela China anos atrás.
A gente pode e deve aprender com os melhores, e foi a China que tomou a dianteira em inovação – e não deve ser destituída desse posto tão cedo. Que a gente seja capaz de pegar uma carona e absorver pelo menos um pouco daquilo que eles fazem de melhor: inventar, melhorar, apostar na criação de tecnologia própria e baratear tecnologias que já existem.
*Cristiano Barbieri é head de Estratégia Digital, Inovação e Tecnologia da SulAmérica
Fonte: Whow