Foi no novo endereço do QuintoAndar, um conjunto de três prédios administrados pelo WeWork na Vila Madalena, em São Paulo, que a The Shift foi recebida pela Gabriela de Lima, há pouco mais de 4 anos diretora de produto da imobiliária virtual. De fala tranquila, mas firme, ela contou um pouco da sua vida profissional e muito sobre o trabalho que desenvolve à frente de um time de 300 pessoas divididas entre engenharia, gestão de produto, design e qualidade.
A paixão pelo serviço prestado e pela companhia ficam logo evidentes. “Quando cheguei aqui a empresa tinha 80 pessoas, hoje tem mais de mil. Assisti a esse crescimento exponencial. Brinco que agora a minha família já sabe onde eu trabalho”, comenta. Nem sempre foi assim. São mais de 10 anos de vida profissional em empresas de tecnologia, sempre com produtos online, prototipando e escalando produtos digitais. Antes já havia passado pela Microsoft, no segmento de produtos na nuvem para o consumidor final. Hoje responde por vários squads multidisciplinares comprometidos a revolucionar o mercado imobiliário. “Um dos motivos que me fez vir para cá é que eu já era uma cliente muito feliz”, diz.
O trabalho multiplica a cada nova rodada de investimento. Os aportes são responsáveis não só por elevar o QuintoAndar ao patamar dos unicórnios brasileiros no ano passado, mas por impulsionar os projetos de expansão dos serviços. Nesse momento, o foco é o desenvolvimento da área de serviços domésticos para inquilinos e proprietários interessados em pequenas reformas, além da formatação do modelo para atuação também na compra e venda de imóveis residenciais. “Vamos usar nosso conhecimento em tecnologia e dados para trazer a mesma experiência positiva do aluguel para o segmento de venda”, afirma.
Formada em Comunicação e Marketing, Gabi, como é carinhosamente chamada pelos colegas de trabalho, é a personificação do pensamento empreendedor, disruptivo, que coloca o cliente no centro e pensa efetivamente em como resolver problemas através do uso da tecnologia, olhando para questões como UX, CX, design, conteúdo, retenção e engajamento online. “Me encontrei no mundo das startups. Sempre tive necessidade de mover as coisas, saber qual o meu impacto”. Bom, ele fica bem claro nessa entrevista. Bem-vindas e bem-vindos ao mundo da gestão de produtos digitais!
Disrupção é…
“Fazer alguma coisa de um jeito que ninguém tinha imaginado antes. Romper com o status quo, tanto em relação às expectativas de como você pensa em resolver um problema, quanto do que você espera como cliente para resolver determinada dor ou necessidade.
A gente passou por algumas etapas que formam o DNA de uma empresa inovadora, desde uma cultura forte, uma organização que dá autonomia para os times, com processos que encorajam as pessoas a experimentar, que tolera erro e ao mesmo tempo evolui rápido.
O QuintoAndar sempre é visto como uma empresa de tecnologia. Isso é verdade. Acho que a tecnologia é o nosso motor e que nos fez escalar e tornar tudo o que fazemos possível. Mas acho que a inovação está de ponta a ponta em todos os processos.
Nós estamos preocupados em resolver as vidas dos clientes. E em como tornar a jornada deles mais agradável.
Somos uma empresa de tecnologia com uma visão do produto muito forte. Disrupção aqui tem muito a ver com a nossa forma de resolver problemas. Em encontrar soluções mais inteligentes para os problemas dos clientes. Ou em viabilizar que a gente chegue em mercados que a gente não imaginava, sem estar fisicamente lá. E em como escalar.
Então grande parte das resoluções dos problemas passa não só pela tecnologia, mas pelo design de produto. Por pensar em como a experiência do cliente deve ser. Assim o QuintoAndar profissionalizou muito o processo do aluguel residencial, que era uma relação muito pessoal.
A grande disrupção, na minha opinião, foi olhar para o processo de aluguel de ponta a ponta. Foi ousado tirar os intermediários e acreditar que mais transparência teria adesão.
Fomos entrando em vários pedacinhos e tornamos todo o processo mais fluido, fazendo mudanças muito relevantes. A clássica foi a eliminação do seguro fiança, que acho que foi o que atraiu muitos dos nossos inquilinos. Depois, a forma de apresentação dos apartamentos disponíveis, acabando com a assimetria de informação. Foi um choque na forma de como o mercado operava, porque aumentou a transparência. Aí incluímos a assinatura eletrônica, que retirou o cartório da equação. E a análise de crédito.
Hoje a gente garante a saída do inquilino, intermedia qualquer problema no imóvel, do cano quebrado à uma conta errada no meio do mês… Garante o pagamento do proprietário. Nada é mais valioso para o proprietário do que ter a certeza de que todos os meses o dinheiro do aluguel vai cair na conta dele.
São pequenos detalhes da experiência dos clientes que fazem diferença.
O proprietário sabe que o inquilino é alguém que passou por uma seleção. Que ele foi avaliado pelo QuintoAndar. O imóvel também passa por uma seleção. Tem que atender a requisitos mínimos de conservação para poder ser oferecido. Às vezes a gente recomenda uma reforma… Mas já recusamos imóveis por conta disso.
Estamos presentes em 29 cidades. Não divulgamos o nosso inventário todo, mas temos mais de cinco mil novos contratos fechados por mês e esse número segue aumentando. O produto foi pensado para funcionar em qualquer região. Tem uma ou outra customização, às vezes. Mas a gente parte do pressuposto que o processo deve funcionar em qualquer lugar. Tem que ser escalável e a experiência tem que ser a mesma.
Dá para complementar o online com o off-line. Vemos outros negócios fazendo isso… E tem muito a ver com a forma como a gente enxerga o mercado. Pensamos muito no ecossistema. Que ele seja sustentável. E, para isso, ele precisa incluir todos, inclusive corretores e imobiliárias.
É uma relação de parceria. Existe algo que as imobiliárias e os corretores podem ganhar, e a gente também. Continua existindo uma demanda por um outro tipo de atendimento, mais personalizado. E de clientes que esperam ir a uma loja física.
Com o crescimento a gente também começou a sentir que precisava ter outros canais. Assim, a parceria com as imobiliárias no permitiu chegar em um público que a gente não estava atendendo. E para elas significou ter acesso a um motor de oferta muito mais potente, de funcionamento mais rápido, com uma tecnologia que elas demorariam para adotar. O sistema de parcerias ajuda a otimizar a operação e complementar a proposta de valor das imobiliárias tradicionais. É um modelo estranho, não óbvio, mas que faz muito sentido para gente.
Também meio que redesenhamos o trabalho dos corretores. Hoje temos parceiros super felizes. Parceiros satisfeitos, tanto com o boom de demanda que eles viram acontecer, uma vez dentro da plataforma, quanto com a tranquilidade de que é possível convivermos todos nesse ecossistema. De que a nossa solução pode fazer todos crescerem.
Então hoje a gente também é aquela empresa na qual você, proprietário, pode ir tomar um cafezinho. Isso foi uma quebra de paradigma, mas a gente entendeu que para chegar a ter um mercado gigantesco a gente tinha que pensar em formas mais criativas de atuação no mercado.
Um grande desafio, quase que sociológico, foi romper o nível de desconfiança no novo processo. Quando a gente começou a crescer, e a entrar em mercados mais conservadores, a gente precisou tranquilizar as pessoas. Principalmente aquelas que não lidavam bem com as novas tecnologias. Abraçar o novo processo passa por uma reeducação, uma mudança de comportamento.
Você não vai ver com quem está negociando, mas vai ter uma informação curada sobre quem vai alugar o imóvel, e sobre o imóvel que vai alugar. Pode ter a certeza de que não será surpreendido durante o processo. Que o contrato não terá nenhum asterisco. E isso passa também por ter informações sobre o próprio QuintoAndar. Sobre como a gente opera. Sobre o fato de que ser online não significa ser pior ou estar indisponível. Nem impede que a gente preste outros serviços.
Nossos desafios são ter um produto que atenda a diversos perfis de cliente, não só o early adopter tecnológico, vencer o estranhamento ao novo e conquistar a confiança dos clientes.
A demanda cresce muito no boca-a-boca. Por gente que já alugou e ficou satisfeito. Mas muitas vezes ainda precisamos mostrar que, legalmente, a assinatura eletrônica pode ser mais segura que o papel, por exemplo. E que o fato de ser online não significa que sejamos uma empresa fria. Que temos IA e Machine Learning em algumas etapas do nosso processo, mas também temos pessoas. No momento em que o cliente tem uma crise, vai ter um humano tratando do caso dele.
A gente cresceu muito, organicamente. E sempre apostou que não tem mídia melhor que um cliente feliz. Ainda mais no mercado de aluguel. O buzz positivo é o nosso melhor vendedor. Só passamos a ter uma pessoa de branding recentemente, quando sentimos necessidade de ser mais intencional na comunicação do que a gente está construindo. Falarmos com perfis mais óbvios em um momento em que estamos deixando de trabalhar só com aluguel para olhar para housing de uma forma mais ampla.
Tem hora que a gente quer divulgar uma nova funcionalidade supercomplexa, e o cliente só quer saber o básico. Ou com quem ele está lidando. O marketing nos educou um pouco que aqui dentro a gente está em uma bolha, meio enviesado, e que o cliente lá fora precisa de informações mais ou menos básicas.
A gente busca por feedbacks dos clientes o tempo todo. Grande parte do nosso trabalho é processar informações, priorizar, entender qual é a maior dor, o que é um outlier, quais são as tendências…
O meu time fala com os clientes toda semana, seja por intermédio da realização de pesquisas para validar um produto ou uma funcionalidade, ou de pesquisas exploratórias para solucionar um determinado problema. Às vezes a gente faz entrevistas para entender melhor um perfil de cliente.
Tantos dados permitem que a gente consiga gerar conteúdos legais que levem potenciais clientes a lembrar do QuintoAndar na hora de buscar um imóvel para alugar. O que a gente deseja é que, ao pensar em morar, a pessoa pense no QuintoAndar. Se for vender um apartamento, também. Se quiser fuçar como seria morar em outro bairro, ou em outra cidade. Ou em como seria a sua vida em ali. O que o entorno teria a oferecer…
Preço é um dos diferenciais e algo que a gente evolui muito nos últimos anos, por ter muitos dados reais. A gente sabe dizer por quanto dá para alugar ou vender um imóvel. E está evoluindo para soluções em que pilotamos o preço, que a gente chama de smart pricing.
Alguns proprietários já delegaram para gente a gestão do valor do aluguel. Basicamente trabalhamos um preço dinâmico, de acordo com a demanda e com parâmetros que o proprietário dá. Em alguns casos conseguimos alugar acima do valor desejado. Em outros, reduzimos valores. O objetivo é tentar encontrar o preço justo. Queremos que as pessoas encontrem a casa ideal para cada momento da vida e, ao mesmo tempo, garantir que os proprietários tenham cada vez mais liquidez na hora de alugar seus imóveis.
Hoje não está no nosso radar a oferta de imóveis comerciais. A prioridade ainda é pensar em moradias. E tem muito espaço para crescer. Muito chão para ser explorado em aluguel residencial. É um muito grande e muito mal atendido. A gente tem muita demanda deprimida em praças nas quais a gente ainda pode entrar.
Uma das frentes prioritárias no nosso planejamento anual é o compliance com a LGPD. Regras de segurança são inegociáveis.
Até hoje a gente teve pouquíssima judicialização. Mas temos uma equipe de mediação bem grande. Os nossos times de operação, mediação e crise são todos muito maiores que o do jurídico. A norma é agir rápido para resolver eventuais problemas. Mesmo em caso de inadimplência, a gente age para que a saída seja o mais amigável possível.
As demandas jurídicas são muito mais na linha de interpretar as leis para propor melhores contratos. O nosso contrato digital, por exemplo, foi sendo trabalhado para ser o mais simples possível, e bem amarrado juridicamente. Os modelos de contrato que a gente está usando nos testes de compra e venda também. Quando a gente tem algum caso mais complexo, a gente chama alguém de fora.
Felizmente estamos rodeados de parceiros e investidores que aportam muita inteligência aos nossos processos. Os parceiros de plataformas de assinatura eletrônica, por exemplo, já têm validação jurídica. A gente usa muito toda essa expertise a nosso favor.
Tudo tem que ser fácil de entender e de visualizar. Os clientes precisam saber tudo o que estão pagando e recebendo.
Não vou dizer que não tenha confusão, porque as pessoas muitas vezes não leem e saem clicando nas coisas… Mas a gente tenta evitar que aconteça enviando alertas, forçando a pessoa a confirmar o que fez. A gente tenta ser o mais instrutivo possível. E está sempre fazendo exercícios para simplificar a nossa comunicação. Esse é um desafio para todo os produtos digitais. Como passar a sua mensagem, assim que a pessoa entrar no seu site. Na primeira frase, ela tem que entender o que você está fazendo.
Nosso objetivo é continuar tirando muito da fricção do processo de aluguel. Dá para ficar cada vez mais rápido. Nosso recorde aqui, do momento da oferta do imóvel até a assinatura do contrato, é de uma hora e meia. Tem gente que reclama que viu um imóvel em um dia e quando voltou no dia seguinte ele já não estava mais lá.
E estamos começando uma nova aventura: a de levar toda a desburocratização que a gente promoveu no mercado de aluguel também para o de compra e venda, que é muito mais complexo.
O processo de venda é uma experiência frustrante e burocrática, como era o aluguel. Vender um imóvel mo Brasil leva, em média, 480 dias. A falta de informações de qualidade sobre a situação legal da propriedade, assim como a dificuldade em obter toda a documentação correta são problemas comuns que atrasam todo o processo. Tem financiamento, relacionamento com o cartório…
Decidimos entrar nesse mercado pensando em atender inicialmente quem já estava com a gente. Temos a missão de testar novos modelos e otimizar cada vez a relação entre oferta e demanda. Ajudar o proprietário a decidir o que é mais vantajoso para ele. Por enquanto, os testes envolvem apenas alguns bairros da cidade de São Paulo onde a gente já tinha uma demanda reprimida de proprietários que já tinham fit com o nosso modelo de aluguel.
Sobre o aporte recente que tivemos, ele nos ajudará com o planejamento de começar a operar em outros países. E não só na América Latina. Países que tenham uma dinâmica parecida com a do nosso mercado. Ainda não há uma data para que isso aconteça, mas já começamos a estudar essa possibilidade. Também nos ajudará a desenvolver outros serviços nos mercados onde a gente já atua.
E estamos expandindo as equipes. A busca é por profissionais que tenham afinidade com os valores da empresa. O soft skill é tão importante quanto o hard skill. Ter um lado de análise e raciocínio lógico representa praticamente metade da avaliação, principalmente nas vagas mais de entrada, como as de analista, onde a gente olha muito também para capacidade da pessoa de aprender coisas novas. Se curiosa. Mas o nosso profissional também precisa ter repertório tecnológico. Não tanto para usar a tecnologia como um modismo, mas para ajudar no processo criativo de resolução de problemas. A tecnologia não é a inovação. É uma das ferramentas para inovar.
Para a gente inovação só faz sentido se for para tornar a vida das pessoas melhor todos os dias. Precisamos continuar nos questionando e buscando formas disruptivas de transformar o mundo em um lugar melhor para se morar.
Fonte: The Shift