A pandemia trouxe um choque sem precedentes para o sistema operacional do nosso século. Ainda estamos em meio a tormenta, navegando as gigantescas ondas dos problemas de curto prazo como a falta de receita, demissões, fluxo de caixa, entre tantos outros, enquanto experimentamos as diferentes fases do luto – negação, raiva, depressão, barganha e aceitação – pelo mundo que conhecíamos.
Além disso, grande parte de nossa população economicamente ativa é de uma geração que sofre, pela primeira vez, uma crise comparável às guerras mundiais. Logo, nada mais natural do que, nesse momento, a dificuldade em pensar sobre o futuro.
Crises dessa natureza tem o poder de nos tirar as certezas absolutas e de evidenciar que a sensação de controle pleno sobre a vida e os negócios, não passa de mera ilusão e ego. Mas acredite. Essa tormenta passará e nós esqueceremos boa parte das emoções, ímpetos e angústias desse período em função do nosso mecanismo de sobrevivência e evolução. Porém, o sistema operacional do mundo não será mais o mesmo. Estamos passando por um reboot, um “ctrl+alt+del” no status quo. Estamos vivenciando o surgimento de uma nova tecnologia social.
Essa tecnologia social influenciará todos os indivíduos, mercados e tipos de empresas, das tradicionais às startups e tem relação com a forma como se estrutura, orienta e distribui a criação e captação de valor (intelectual e operacional).
No contexto dos nômades digitais e da “gig economy”, por exemplo, os três vértices dessa ruptura estrutural – core, clareza e confiança, – já eram naturais, nativos do sistema vigente. Agora, pós-pandemia, o que era exceção se tornará regra e a velocidade de adaptação estará diretamente ligada a capacidade de inovar.
Cenário pós-pandemia; primeiro vértice – Core:
Derivada do latim, cor-cordis, que significa coração, esse pilar representa tudo que é essência profunda – core business, core vocacional, conhecimento core. Nesse novo sistema operacional global, onde as conexões digitais e físicas terão novos significados, compreender o “core” de empresas e indivíduos será o primeiro passo para uma (re)estruturação.
A tendência por maior foco, desenvolvimento de propriedade intelectual e especialidade serão atributos que garantirão maior capacidade de mudança de rota (pivot), assim como o aprofundamento nas relações de colaboração e codependência com empresas executoras de atividades terceirizadas.
A construção de networks de times de 5 a 10 pessoas como unidades de criação de valor, com elevado senso de responsabilidade, drive criativo e propósito único deve ser observada, assim como a priorização de pequenos experimentos em função de um grande objetivo, em detrimento a grandes experimentos em múltiplas frentes.
O valor por todos nós gerado deverá ser, de fato, realizado em diferentes localidades, fuso horários e contextos, com formatos de contratação e acordos variados. Leis, sistemas e indivíduos precisarão se adaptar a modelos mais flexíveis, descentralizados, híbridos e abertos.
Se antes falava-se de equilíbrio entre vida profissional e pessoal, o software do novo mundo rodará apenas com a relação intrínseca e integrada de nosso “self”, sem separações. Vida e trabalho geram valor econômico e social. A vida depende do trabalho, mas especialmente e de forma contígua a excelência do trabalho depende da qualidade de vida (individual e coletiva).
Os vértices base: Confiança e Clareza
O coronavírus trouxe à tona outro colapso que já enfrentávamos: a crise de confiança nos sistemas, nos representantes, nas instituições, nas lideranças, nos modelos de negócios e nas relações interpessoais.
Reconstruir confiança depende do conhecimento e ação nos componentes que a formam e que já são amplamente conhecidos por pesquisadores. Confiamos em pessoas e sistemas que sentimos serem autênticos, empáticos e lógicos.
O sentimento de autenticidade está diretamente relacionado às tendências apresentadas no vértice “core”.
A empatia, entendida como a decisão consciente de vulnerabilidade para se conectar com sentimentos que nos ajudam a compreender a “dor” do outro, deverá ser exercida de maneira mais natural e contínua, tanto por líderes, que exercerão prioritariamente o papel de orquestradores e moderadores, quanto por indivíduos em sua autoliderança.
Já a lógica rigorosa e com a menor quantidade de vieses possível será o resultado da network de times com diversidade e inclusão de ideias, pontos de vista e habilidades complementares.
A clareza dependerá de grande maturidade interpessoal e corporativa aliada a implementação de instrumentos que alinhem expectativas, políticas, normas, estrutura de capital, remuneração, entre outros, baseados nos princípios fundamentais da transparência, equidade, prestação de contas e responsabilidade.
Governança corporativa, antes tido como assunto apenas das grandes corporações, certamente entrará na pauta de startups e scale-ups. De forma pioneira e visionária, no final de 2019, o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) lançou um guia de boas práticas que se torna ainda mais relevante para empreendedores nesse novo mundo.
O documento apresenta de forma detalhada como a governança corporativa pode fazer a diferença para a evolução saudável e criação de valor para empresas de alto crescimento; que as práticas são acessíveis e devem ser implementadas de acordo com o estágio de maturidade do negócio em quatro pilares: estratégia & sociedade, pessoas & recursos, tecnologia & propriedade intelectual e processos & accountability; e a importância de práticas de governança estarem presentes desde o momento em que a startup é ainda uma ideia, além de fazer parte da cultura dos empreendedores.
“Olhando para frente e vislumbrando esse novo mundo, acredito que essa crise resultará num amadurecimento profundo do ecossistema de inovação brasileiro. Não tenho dúvidas que os empreendedores, inovadores, investidores, empresas e demais stakeholders brasileiros terão total condição de trazer um significado único a esse tripé do mundo pós-pandemia.”
Sigamos resilientes, positivos e em casa!