Reunidas no Cubo, centro de empreendedorismo idealizado pelo Itaú Unibanco, em São Paulo, na manhã de ontem (17), seis expressivas lideranças do ecossistema brasileiro de inovação analisaram as conquistas do país no setor em 2019 e, mais do que isso, revelaram suas apostas para 2020.
“Este ano termina como um divisor de águas na consolidação do empreendedorismo no país, com grandes e importantes aportes, fundadores se transformando em investidores, uma maior movimentação das grandes companhias na aquisição de startups e até startups comprando startups”, disse Renata Zanuto, co-head do Cubo. A executiva lembrou que o Brasil já tem 11 unicórnios (startups avaliadas em mais de US$ 1 bilhão) e um decacórnio (o Nubank, avaliado em mais de US$ 10 bilhões) e fez uma retrospectiva das grandes operações que marcaram o período, como a aquisição da Cheftime pelo GPA (por valor não revelado), da mineira Zup pelo Itaú (R$ 575 milhões), ambas em novembro, e o apetite do Softbank – das 19 startups latino-americanas que receberam recursos do banco japonês em 2019, dez são brasileiras.
Todos eles, no entanto, foram unânimes ao dizer que ainda há muito por fazer – e que 2020 deve ser encarado como um ano de transição, rumo a uma era onde as novas empresas terão papel fundamental no desenvolvimento econômico e social do país. Rafael Ribeiro, diretor executivo da Associação Brasileira de Startups (ABStartups), por exemplo, foi categórico ao creditar a responsabilidade pela continuidade desse processo de evolução à ampliação dos recursos – de qualquer natureza, não apenas financeiros – para outras regiões do Brasil.
“Temos que sair da bolha São Paulo-Rio-Belo Horizonte-Florianópolis-Recife”, disse. “É preciso expandir e fomentar a base. A realidade em outros lugares é muito diferente da que temos nessas cinco capitais. Se isso não acontecer, um grande número de boas ideias vai morrer. E nunca sabemos de onde pode vir o próximo unicórnio.”
Marcos Mueller, da Darwin Startups, uma equipe de profissionais, mentores e empresas que tem a missão de contribuir para o empreendedorismo, reforçou essa necessidade. “Gostaria de ver cada vez mais investidores de fora apostando no Brasil, especialmente com cheques menores, no início da jornada dos negócios. É nesse momento que a gente influencia o cara a pensar globalmente. Quanto mais pessoas pensando na origem, mais fácil vai ser o trabalho de todo mundo aqui.”
Para Itali Collini, da 500Startups, sair da bolha quer dizer, também, olhar para grupos diversos, incluindo a periferia. “Minha aposta está mais concentrada no propósito e na diversidade dos empreendedores do que nos segmentos de atuação”, diz. “Cada vez mais o impacto social estará no centro dos negócios, gerando resultados positivos para o país que vão muito além do econômico.”
Tudo isso, no entanto, passa por um outro fator: a educação. E isso demanda uma lição de casa. “Se queremos diversificar, temos que aprender a nos comunicar com todos os tipos de público. Muitas vezes, os empreendedores em fase inicial sequer entendem o que estamos dizendo”, diz Mueller. “É um trabalho de formiguinha, mas precisa ser feito.” Itali completa: “Se isso não acontecer, vamos continuar falando sempre com as mesmas pessoas.”
A especialista diz que é necessário, ainda, uma mudança de mindset por parte dos empreendedores brasileiros. “Como o país é muito grande, eles acham que, primeiro, precisam conquistar o mercado interno para, só depois, tornarem-se globais. Isso não é necessariamente verdade e está começando a mudar”, diz, prevendo um aumento da exportação das soluções brasileiras.
No que diz respeito aos investimentos, Maria Rita Spina Bueno, da Anjos do Brasil, diz que observamos este ano um número cada vez maior de pessoas físicas apostando em startups como alternativa ao fraco desempenho das aplicações financeiras. Com a menor taxa de juros da história, a tendência é que isso continue. “Muita gente nova vai entrar nessa onda. E isso é bom e ruim ao mesmo tempo. Teremos dinheiro novo, mas os empreendedores precisam ficar atentos aos acordos. Estamos lidando com investimentos de longo prazo, e nem sempre os donos do dinheiro têm isso em mente. Negociações mal feitas podem colocar o negócio em risco. Os empreendedores precisam se empoderar, amadurecer. Nem todo dinheiro é bom.”
Camila Junqueira, da Endeavor Brasil, lembrou que a questão tributária é outra coisa que tem a chance de ser discutida em 2020 e, se bem conduzida, abrir muitas portas para o desenvolvimento de novos negócios. “Os investidores estrangeiros não conseguem entender por que temos equipes tributárias e fiscais tão grandes nas empresas. Esta é a hora de pegar carona na reforma que será discutida pelo governo, tentar simplificar o processo e mostrar o quanto isso é essencial para o desenvolvimento do nosso ecossistema.”
O problema do capital humano não ficou de fora da discussão. Enquanto a China forma 4,7 milhões de especialistas por ano em STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática, da sigla em inglês), o Brasil forma 50 mil. “Sem gente qualificada, o país não terá a velocidade de crescimento esperada. E, para isso, é preciso visão de longo prazo. Quanto mais o mercado aquece, menos talentos temos disponíveis. E isso é um problema para os empreendedores. Por isso, precisamos que eles próprios assumam parte dessa responsabilidade. Só dessa maneira, conseguiremos escala para endereçar o assunto.”
Maria Rita, da Anjos do Brasil, enxerga, ainda, um outro segmento de grande potencial para 2020 para as startups que se relacionarem com o consumidor de forma diferente e mais integrada: a curadoria de produtos. “Muitas delas estão trazendo produtividade e eficiência para toda a cadeia de produção. Isso deve continuar. Mas as pessoas estão mudando, é um mundo diferente no qual o nosso relacionamento se transforma. Tratar as pessoas de uma forma mais integral, holística, olhando para o relacionamento e entendendo como a gente pode monetizar a curadoria, é algo fundamental.”
Os especialistas lembram também que ainda existe um gap no relacionamento entre as grandes corporações e as startups. E isso, mais uma vez, passa pela educação. “É preciso investir nessa aproximação. Muitas vezes, as pequenas empresas têm condições de resolver grandes problemas das gigantes de forma muito mais ágil e econômica”, diz Camila, da Endeavor. Chamada de inovação aberta, essa é outra vertente que deve crescer nos próximos anos no país.
Por fim, Maria Rita chama a atenção para as startups dos setores de saúde e educação. “Gostaria muito que os reguladores olhassem para elas Essas empresas, com soluções inovadoras, alta produtividade e muita eficiência, podem mudar a realidade do nosso país também em áreas críticas.”
Fonte: Forbes