Franklin Luzes, COO da Microsoft Participações, defende que as empresas que querem se tornar unicórnios devem pensar em se expandir para além das fronteiras nacionais
“Fomentar o ecossistema de empreendedorismo é uma tarefa gigantesca”, diz Franklin Luzes, COO da Microsoft Participações. Como uma empresa sozinha não consegue fazer isso, a estratégia da gigante de tecnologia foi buscar apoio de outras companhias interessadas no potencial dos empreendedores brasileiros. Dessa ideia, surgiu o fundo BR Startups, em conjunto com Banco Votorantim, Banco do Brasil Seguridade, Monsanto, Algar Holding e Qualcomm, além da Agência de Fomento do Estado do Rio de Janeiro. Desde sua criação, em 2012, o fundo captou R$ 27 milhões.
Para ele, contundo, ainda falta entre as startups brasileiras a ambição de expandir suas operações para fora do Brasil e “dominar o mundo”. “Eu brinco que todo mundo usa o Waze, que foi criado em Israel. Eu adoraria ver em alguns anos pessoas em Israel usando um software de brasileiros”, diz ele. “Sou um otimista convicto de que é possível ter sucesso no Brasil e crescer”. A venda da 99 para a Didi Chuxing, por mais de US$ 1 bilhão, foi um passo nesse sentido, defende Franklin.
A BR Startups não é a única iniciativa da Microsoft para incentivar o empreendedorismo. A empresa tem também um laboratório de inovação no Brasil, com foco em tecnologias analíticas e de compressão de vídeo em tempo real. Além disso, para estimular inovação no meio universitário, a empresa promove uma competição internacional chamada Imagine Cup – mais de 206 mil estudantes brasileiros participaram desse programa desde 2007. A companhia também tem o BizSpark, um programa que dá acesso gratuito à tecnologia da Microsoft às empresas de base tecnológica que tenham menos de cinco anos e até R$ 1 milhão de faturamento. Entre 2011 e 2016, a Microsoft destinou US$ 209 milhões em créditos em nuvem a mais de 5.900 startups.
Como foi o ano de 2017 para a BR Startups?
Foi maravilhoso. Conseguimos fazer os processos seletivos das áreas estratégicas que idealizamos para 2017, que foram seguros, agritech e fintech. Em fintech, a escolhida foi a QueroQuitar, que recebeu R$ 1 milhão de investimento, e faz negociação de dívidas. Na área de agritech, a gente anunciou uma empresa chamada Tbit, que ganhou também investimento de R$ 1 milhão. É uma startup de inteligência artificial que avalia as sementes. A última empresa nas áreas estratégicas foi a Car10, de seguros, que recebeu R$ 2 milhões. Se alguém bate o carro, só precisa tirar foto da batida, mandar pela plataforma e em 40 minutos recebe seis propostas de várias oficinas perto da sua casa. Se gostar de alguma, já agenda tudo online.
Em 2017, as prioridades eram as áreas de seguro, agritechs e fintechs. E para 2018?
A gente ficou tão feliz com o desenvolvimento dessas áreas que queremos continuar investindo nelas. Mas eu também gostaria de atrair outros investidores estratégicos em setores que ainda não estão representados no nosso fundo. Por exemplo, a área de varejo, manufatura e indústria automobilística.
Como funciona esse sistema de investidores âncora?
Vou dar o exemplo da Monsanto com a Tbit. A Tbit é de Lavras, no interior de Minas Gerais. Quando ela precisou testar seu produto, a Monsanto deixou eles fazerem isso numa fazenda sua na região. Só conseguimos realizar isso por termos a Monsanto. Como a gente ia encontrar uma fazenda para testar a tecnologia no interior de Minas? E, além de tudo, os executivos da Monsanto, que entendem de agronegócio, ajudam a Tbit como conselheiros e mentores. Ninguém melhor do que alguém que conhece o segmento e trabalha nele para dar feedback e mentoria para a startup. Além do capital, a gente fornece esse tipo de apoio, muito importante para o desenvolvimento de uma startup. E, por ter a Microsoft, a gente também fornece apoio tecnológico. A Microsoft dá apoio para a migração para nuvem e softwares de graça.
Por que atuar em áreas tão diversas? Por que buscar parcerias com empresas de outros setores?
Fomentar o ecossistema de empreendedorismo é um desafio gigantesco. É um dever de uma nação, não só de uma empresa. Por maior que seja a Microsoft, é impossível uma companhia sozinha fomentar um ecossistema inteiro. Aproveitando o conceito de inovação aberta, de valor compartilhado, de trabalhar em conjunto, a gente consegue ajudar o crescimento muito mais rápido. A Microsoft entende de tecnologia, portanto, isso fica com a gente. A Monsanto entende de agronegócio, portanto, isso fica com eles. E nós dois juntos ajudamos uma startup nos dois pilares.
O fundo BR Startups trabalha com empresas que já passaram por aceleradoras, mas que ainda não estão preparadas para o investimento profissional de série A, que vocês chamam de pós-aceleração. Por que essa escolha?
Quando a gente desenhou o projeto, vimos que no Brasil existiam mais de 300 incubadoras, mais de 40 aceleradoras e mais de 100 fundos atuando com investimentos profissionais – série A, série B, private equity. Percebemos que havia uma lacuna, que muitos chamam de vale da morte, porque a mortalidade das empresas nessa fase é alta demais. Ninguém queria trabalhar nessa área. Ela é muito arriscada, porque exige um investimento que é maior do que o de uma aceleradora, mais do que um anjo, porém menor do que uma série A. Como nosso objetivo era gerar impacto e relevância no Brasil, resolvemos atuar exatamente nessa área.
Quais os desafios em trabalhar com startups nessa fase de desenvolvimento?
Como o ecossistema de empreendedorismo no Brasil não está tão maduro quanto nos Estados Unidos, ainda existe muita falta de informação sobre modelo de investimento, governança e necessidades de gestão empresarial para conseguir um investimento maior. Está melhorando bastante, mas no início víamos muita dificuldade. A gente falava em termos técnicos e muitos empreendedores não entendiam. Tínhamos que explicar coisas básicas de investimento. A segunda dificuldade que encontramos é o pensar grande. O Brasil é tão gigante que, para muitos empreendedores, ter um projeto no país já é bom o suficiente. Mas, se você olhar os unicórnios, eles já nascem pensando em dominar o mundo. Eu ainda vejo o brasileiro muito tímido nesse quesito de querer dominar o mundo. A terceira dificuldade é a aversão a risco. A gente ainda tem muitos empresários e empresas com medo de tomar risco, mas inovação pode dar certo ou pode dar errado. Historicamente, de dez empresas em um portfólio de investimento, duas vão dar certo, cinco vão mais ou menos e três vão falir.
Como o fundo BR Startups se encaixa na estratégia global da Microsoft?
Esse projeto foi criado no Brasil, é um piloto. Ficamos três anos trabalhando para fomentar a economia, o crescimento, o impacto e a relevância no Brasil. Estamos super felizes com o reconhecimento do mercado e com o sucesso das startups em que a gente está investindo. Uma das coisas que eu estou trabalhando nesse momento, mas que ainda não está oficializada, é levar o mesmo conceito para outros países. Fui empreendedor e hoje sou empreendedor corporativo e, da mesma forma que eu falo que uma startup brasileira deveria ir para o mundo, eu adoraria ver um projeto da Microsoft Brasil indo para o mundo.
Fonte: Época Negócios