Que o dinheiro não resolve qualquer problema, é só uma das lições que startups e investidores podem aprender com o fracasso do ano
Você já deve ter ouvido falar da Quibi em algum momento de 2020. A startup, que prometia revolucionar o mercado de streaming com vídeos de até 10 minutos criados para o formato de celular, ficou famosa por captar US$ 1,75 bilhões de nomes de peso como Google, Alibaba, Goldman Sachs e Pegasus Tech Ventures. Parece sucesso garantido, não é mesmo? Mas não foi o que aconteceu.
Menos de um ano depois, a empresa ficou ainda mais famosa no último mês, após anunciar que estava fechando suas portas por não estar atingindo as metas esperadas. Com isso, a empresa deixou algumas lições importantes para empreendedores e investidores que achei que valeriam a pena serem compartilhadas. Vamos a elas:
Fundar uma startups é diferente de comandar grandes empresas
Uma das coisas que a gente mais ouve no universo de startups é sobre a importância do time por trás da ideia. Um time forte e coeso, com conhecimento do mercado, adaptabilidade e capacidade de execução é determinante para o sucesso de uma empresa.
À primeira vista, a Quibi parecia promissora nesse sentido: seus fundadores eram Jeff Katzenberg, ex-executivo de Hollywood e chairman da Walt Disney Studios, e Meg Whitman, ex-CEO da HP e board member da P&G e Dropbox. Os nomes estrelados, no entanto, ofuscam a realidade de que ser fundador de uma startup é bem diferente de ser um executivo de uma grande corporação — afinal, uma startup não é exatamente um negócio.
Startups são constantes experimentos: founders precisam testar diferentes rotas, com rapidez e flexibilidade, serem criativos, fazerem mais com menos, ignorarem processos, e irem aprendendo aos poucos até acertar, tomando decisões com rapidez, mesmo com pouca informação. Isso não é tão comum em grandes empresas, onde processos precisam ser seguidos e gestão é uma grande preocupação.
Além disso, founders têm muito skin in the game (ou colocar em prática o que se prega) e não desistem aos primeiros sinais de fracasso ou de não-aceitação de seu produto. O que eles fazem? Pivotam. Buscam alternativas. E novamente tentam experimentar algo diferente até acertar — algo que não vimos Jeff e Meg fazerem. Esse problema com os fundadora para mim, foi o que causou todos os seguintes.
Dinheiro não compra product market fit
Um dos mantras do universo de startup é: “Encontre seu product-market fit.” Não faz sentido lançar em escala um negócio sobre o qual não se sabia se haveria mercado. Como dito anteriormente, o certo é testar, ainda que um pouco, algumas coisas com seu mercado-alvo até ter a certeza de que o produto faz sentido para aquele público.
A Quibi, em vez de fazer isso, assumiu que haveria espaço para conteúdos premium curtos, para serem assistidos no celular, e criou — pasmem — 175 episódios dessa forma para fazer o lançamento. Episódios esses que, estima-se, custaram US$ 1 milhão cada. Tudo isso sem saber se o mercado iria querer esses episódios, dessa forma. Pior: tudo isso sem sequer ter assinantes.
O foco exagerado em conteúdo — pra mim um sinal de arrogância de dois executivos de sucesso — deixou de fora preocupações importantes com distribuição, aquisição de usuários, posicionamento, e até mesmo ferramentas básicas do produto.
A empresa não se preocupou, por exemplo, com o elemento social, proibindo usuários de compartilharem e tirarem prints da tela. Há quem diga que é por conta de uma desconexão entre os founders, de uma geração antiga, e seu público-alvo: millennials de 25 a 35 anos.
Dinheiro não resolve essa falha. Como disse Jason Calacanis, um investidor-anjo famoso aqui nos Estados Unidos: “É uma empresa em estágio inicial com necessidades de iniciante. E o dinheiro não muda isso.”
Experimentos são essenciais para qualquer empresa
Acreditar que ter um conteúdo digno de Hollywood, em um formato vertical e com episódios de 10 minutos seriam suficientes para o sucesso da empresa, não foi apenas arrogante, foi irresponsável. Não importa o tanto de certeza que você tem sobre alguma coisa, nos dias de hoje a validação de hipóteses —com métricas, claras — é essencial para um negócio. Essa é a mentalidade de growth.
Eu fico me perguntando o que fez a dupla Jeff-Meg ignorar esses princípios e gastarem dezenas de milhões antes mesmo de saberem o retorno dessas ações. Até mesmo a falta de experiência com startups não me parece uma justificativa boa o bastante.
Há uma série de outros pequenos erros que foram divulgados aos poucos pela imprensa, e tantos outros dos quais nunca saberemos. Ainda assim, as principais lições são claras.
“Para founders, a mensagem é simples: ir atrás de um investidor não é — nem nunca deve ser — a primeira coisa que você tem que fazer. Seu foco tem que ser em achar product-market fit e provar o valor do seu negócio, pois não é um investidor que vai garantir isso. Não importa o tanto de dinheiro que você tenha, isso não vai evitar que você precise testar muitas hipóteses até acertar.”
Para investidores, é tão ou mais simples: em primeiro lugar, executivos com currículos invejáveis nem sempre serão bons fundadores; em segundo lugar, mais uma vez, dinheiro não resolve tudo.
Como Anis Uzzaman, general partner e CEO da Pegasus Tech Ventures, único venture capital que participou do investimento na Quibi disse após o fracasso de seu investimento de $35 milhões: “Os VCs e startups deveriam voltar ao modelo de lean startup, onde você começa pequeno e vai crescendo gradualmente ao ver que tem tração no mercado”.
Fonte: Whow