Estrondosa. É assim que Rosine Kadamani, referência em blockchain no Brasil e fundadora da Blockchain Academy, define a chegada da Libra, criptomoeda do Facebook. Para a especialista, tudo que se sabe até agora (o que não é muito) já é suficiente para os grandes nomes do setor financeiro ficarem atentos. Para ela, a Libra vem para bater de frente com o sistema monetário atual, afirma.
Em tese, a Libra permitirá que usuários e empresas façam transferências financeiras pelo Facebook Messenger e WhatsApp, usando uma plataforma de blockchain para operar. Ainda não está claro como a empresa pretende desenvolver a solução, nem se será possível usar a Libra para transações fora dos aplicativos. A expectativa é que a novidade esteja disponível para os seus 2,4 bilhões de usuários a partir de 2020 — até um site em português já está no ar.
A moeda será responsabilidade de uma nova subsidiária do grupo, a Calibra, que contará com a governança da Libra Association, uma organização sem fins lucrativos com base em Genebra, na Suíça. Fazem parte do grupo empresas como Uber, Visa, Mastercard, MercadoLibre e tantas outras, que investiram US$ 10 milhões cada uma para entrar no consórcio. O grupo funcionará com o propósito de “regular” a moeda digital independentemente do Facebook.
Segundo Rosine, esse é o maior trunfo da iniciativa. “É um modelo interessante, porque agrega players e conceitos do sistema tradicional que estavam sendo ameaçados pelas criptomoedas com as novas propostas de economia e tecnologia”, afirma. Especialistas não sabem ao certo por qual motivo empresas como Visa e Mastercard entraram na jogada do Facebook: se por medo de ficar de fora ou por estratégia de longo prazo.
No que diz respeito ao modelo econômico, a especialista entende que a Libra tem potencial para se posicionar como uma moeda global. “Ninguém vê mais com estranheza usuários no Brasil e nos Estados Unidos ouvindo a mesma música pelo Spotify. Faltava um dinheiro para selar a globalização”, diz Rosine.
Foi nesse conceito que o Facebook apostou, segundo Rosine. A diferença do projeto de Zuckerberg para iniciativas como o bitcoin, entretanto, é que a Libra ainda atende a interesses empresariais. “Em termos de proposta, a Libra visa privilegiar um grupo selecionado, diferente do objetivo inicial das criptomoedas, que acompanhava um ideal mais desconcentrado. No âmago, são quase conflitantes”, afirma.
Mesmo assim, ela acredita que uma tecnologia não deve atrapalhar as atividades da outra. Pelo contrário, podem se ajudar. “Quando a gente fala de tecnologia, uma das grandes perguntas é ‘quando?’. Acho que esse projeto acelera os questionamentos do nosso modelo [monetário atual]. A Libra o afeta sem competir com o bitcoin”, diz.
Blockchain e desafios
No campo do blockchain, Rosine não tem dúvidas de que a Libra será a maior experiência já realizada pela tecnologia. “É um projeto que nasce com uma rede de bilhões de usuários”, diz. Agora, resta saber como o Facebook vai tratar os dados dessas pessoas.
Por mais que a Calibra seja uma tentativa de dar credibilidade ao projeto, os últimos escândalos envolvendo a empresa a colocam em um posição mais difícil, diz Rosine. “Para quem está indo essa informação? Isso pode ser perigoso para nós. Temos de reagir com desconfiança. Essa é uma chance para eles se provarem. Acho que vão ‘pisar em ovos’ para não cometer nenhum erro.”
No Brasil, assim como Bruno Diniz, professor do curso de fintechs da Fundação Getulio Vargas (FGV), e Guilherme Horn, conselheiro da Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs), Rosine acredita que a tecnologia será um sucesso.
“Eu tenho certeza que estamos preparados para a Libra. Para nós, enquanto sociedade excluída pelo sistema financeiro tradicional, vai ser interessante.” Sua aposta é que a criptomoeda se torne um sucesso em países emergentes e de baixa renda, principalmente.
O que, mais uma vez, a deixa receosa. “Imagine o poderio econômico e as consequências em escala global de uma empresa com tanto poder.”
Fonte: Época Negócios