Criptomoeda capitaneada pelo Facebook enfrenta enormes resistências, mas empresa vê tudo isso como um caminho natural de evolução
O tema tem tido grande espaço na mídia especializada nos últimos meses, mas do anúncio da moeda virtual Libra à realidade o caminho vem sendo muito mais complicado do que o Facebook imaginava. A saída de grandes parceiros do projeto, como Visa, Mastercard e PayPal, é uma mostra clara de que a teoria na prática pode ser bem diferente.
A ideia é simples: “disruptar” o setor financeiro, que funciona há dois milênios basicamente da mesma maneira, com altas barreiras de entrada. Seria possível substitui-lo por uma infraestrutura descentralizada que liberasse a transferência de recursos de e para qualquer lugar do mundo, sem barreiras? “Quando você derruba barreiras e cria competição, você abre oportunidades para que todos criem serviços sobre essa plataforma, gerando ainda mais valor”, afirma Kevin Weil, VP de Produtos da plataforma Calibra.
A evolução do blockchain e o fato de que há no mundo 1,7 bilhão de pessoas sem contas bancárias criaram as condições para o Facebook se mexer para transformar o mercado financeiro. “Nenhuma empresa tem condições de criar sozinha a infraestrutura necessária e, por isso, desde o início sabíamos que o caminho seria um consórcio como a Libra Association, que conta hoje com 21 empresas associadas”, comenta Weil, que espera chegar a 100 filiados ao projeto no momento do lançamento (ainda sem data definida).
A ideia é usar as plataformas de mensagem do Facebook (Messenger e WhatsApp) para viabilizar transferências de dinheiro e pagamentos de celular para celular, sem limitações territoriais e de forma instantânea. Algo que o WeChat e o Alibaba já oferecem na China, mas agora em escala global.
O executivo do Calibra minimiza o tamanho das dificuldades. “Essa não é uma jornada pequena nem curta. Sabíamos desde o início que precisaríamos de parceiros e que o Facebook não deveria nem poderia ter controle sobre essa infraestrutura”, afirma Weil. “Também sabíamos que haveria muitas barreiras regulatórias nos Bancos Centrais dos países e que haveria um grande trabalho, não de anos, mas de décadas, para colocar tudo isso em prática”, diz.
O timing da Libra também tem relação com os problemas de imagem do Facebook, o próprio executivo admite. “O Facebook estava na defensiva, por causa da Cambridge Analytica e das preocupações com manipulação de eleições. Por isso, era importante que a Libra fosse vista como uma prova de que o Facebook continuava sendo capaz de fazer apostas ousadas, realizar grandes movimentos de inovação interna e inspirar o mercado”, explica. Por isso mesmo, a moeda virtual foi anunciada antes das discussões com Bancos Centrais. A justificativa de Weil para anunciar um produto em versão pré-beta como uma disrupção é genial: “Sabíamos que passaríamos muito tempo falando com as autoridades reguladoras e, por isso, anunciamos a iniciativa logo no início do desenvolvimento, para que pudéssemos ter essas discussões e levar o feedback deles em consideração para construir o sistema da maneira correta. Acho importante discutir profundamente o tema, porque ninguém nunca construiu uma carteira digital para o mundo inteiro, menos ainda baseado em uma criptomoeda, que é algo novo para todos”, diz.
Para o Facebook, a reação contrária do sistema financeiro e a saída de alguns players do consórcio nos últimos meses são passos naturais. “Toda grande inovação nos últimos 100 anos passou por esse tipo de reação. Então já era algo que esperávamos. O que importa é que, há 18 meses, essa era somente uma ideia e hoje temos 21 empresas comprometidas com um projeto”, analisa.