Criado para simular a experiência do “terramoto” de 1755, Quake revela potencial de uso intensivo de informações em áreas pouco exploradas
Por Renato Müller
A ideia é simples de explicar: um museu dedicado a contar a história do terremoto que arrasou Lisboa exatos 267 anos atrás. Idealizado por dois profissionais sem experiência prévia em museologia, porém, o Quake vai muito além do storytelling tradicional e propõe uma experiência imersiva – que irá se tornar muito mais imersiva ao longo do tempo, a partir dos dados dos visitantes.
Esse ainda é um potencial inexplorado. “Em um primeiro momento, nos focamos em desenvolver uma experiência cientificamente sólida e sensorialmente interessante”, afirma Ricardo Clemente, um dos fundadores. Ele saiu de uma carreira no setor de publicidade para empreender contando histórias de um jeito diferente, enquanto sua sócia Maria João Marques veio do setor de comércio exterior. A dupla guia um time de historiadores e sismólogos para reviver o dia 1º de novembro de 1755 em detalhes – mas com rigor ao que se conhece e atenção aos detalhes.
Estudos indicam que entre 12 mil e 40 mil pessoas morreram no terremoto, que, seguido por um tsunami e incêndios, transformou a Lisboa de 200 mil habitantes em ruínas. Na esteira desse cataclisma viriam mudanças políticas, econômicas, religiosas e culturais que transformariam Lisboa, Portugal, o Brasil e o mundo. “Talvez a Revolução Francesa não tivesse acontecido daquela maneira se Voltaire não tivesse colocado o Cândido do seu livro no meio do terremoto”, diz Clemente.
Olhar o passado para fazer o futuro
Com 10 ambientes espalhados em 1.800 metros quadrados, o Quake usa projeções mapeadas e estímulos sensoriais (de ventiladores a diferentes temperaturas em cada área) para mergulhar o visitante em uma “missão de volta ao tempo” para entender o que aconteceu em 1755. O mote “espere o inesperado”, que dita os rumos do museu, tem uma função que vai além do marketing: algum dia, Lisboa será atingida por outro terremoto – e é preciso estar preparado para ele.
Por isso, a experiência começa explicando como terremotos são formados, simula o abalo de San Francisco em 1906, mostra o impacto devastador no Japão em 2011 (aquele da usina de Fukushima…) e então convida para uma viagem no tempo. O visitante passeia na Lisboa de 1755, entra em uma missa e então enfrenta o terremoto. Depois disso, vê as consequências na cidade e entende as transformações que ocorreram na vida cotidiana, sociedade, economia e política.
Em cada ponto desse trajeto, uma pulseira recebida na entrada é usada para que os visitantes tirem fotos ou recebam posteriormente mais dados sobre aspectos específicos da experiência. E é aí que está o grande potencial de evolução do Quake: as próximas iterações podem usar dados como os idiomas mais acessados, ou entender que os visitantes se interessam mais por determinada área da experiência para entregar viagens cada vez mais positivas.
“Não temos dúvida de que temos um imenso potencial a trabalhar”, afirma Clemente. “Estamos ainda arranhando a superfície”. De fato, com pouco mais de seis meses de operação, o negócio vem aumentando constantemente o volume de visitantes – até agora foram mais de 50 mil pessoas. E embora Clemente diga que o uso de dados será anonimizado por conta dos parâmetros da GDPR, as oportunidades são enormes. “A ideia é entender o comportamento em cada sala, seja para oferecer conteúdo adicional após a visita ou mesmo para determinar gaps no nosso storytelling”, comenta. “Além disso, temos a condição de perceber quais aspectos da visita mais chamam a atenção. As possibilidades são enormes”, afirma.