Abertura do Web Summit é marcada por unicórnios, cripto, sustentabilidade, Ucrânia… e um susto
Por Renato Müller
A abertura do Web Summit 2022, no início da noite em Lisboa, foi um microcosmo do que deverão ser os próximos três dias – e um pouco mais também. Em uma Altice Arena lotada, o evento começou com a celebração do retorno à vida presencial (a edição 2021 foi “mais tímida”, com 40 mil participantes, e em 2020 ficamos no virtual mesmo), comemorou a maior delegação brasileira no evento e celebrou a presença de um número recorde de startups da Ucrânia – um sinal incrível de resiliência em meio à guerra.
Mas o evento por pouco não começou mal: um dos alto-falantes presos ao teto da Altice Arena se soltou e ficou, por vários minutos, se balançando preso por apenas um cabo de segurança. Um enorme susto.
Uma vez começado o evento, o prefeito lisboeta, Carlos Moedas, apresentou os primeiros dados do projeto Unicorn Factory, que quer selecionar 20 empresas por ano para serem incubadas no ambiente de negócios da cidade, recebendo apoio, networking e investimentos para crescer. “Diziam que era impossível, quase mataram essa ideia, mas estamos conseguindo fazer. No último ano, foram 8 empresas, e agora o projeto está decolando”, afirma.
Fazendo um paralelo com outras propostas polêmicas de seu mandato, como o transporte gratuito para menores de 23 anos e o mais completo programa de cuidados para a terceira idade, Moedas emendou: “Lisboa é a cidade onde o impossível encontra o possível. Estamos fazendo acontecer o que julgavam ser inviável. E isso acontece porque estamos cercados de pessoas que buscam fazer o impossível se tornar real”.
Inverno cripto? Onde?
No primeiro momento de “esgrima verbal” do Web Summit entre jornalistas e executivos, Changpeng Zhao, CEO da Binance, contornou bem as perguntas às vezes espinhosas de Katie Prescott, editora de negócios e tecnologia do jornal britânico The Times, e trouxe uma visão bastante otimista sobre o presente e o futuro das criptomoedas.
“Criptomoedas são provavelmente a única coisa estável neste mundo muito dinâmico em que vivemos. Os preços estão voláteis, mas a tecnologia não mudou e continua sendo muito segura”, afirma. Além disso, segundo ele, as criptomoedas já tiveram momentos de forte queda em suas cotações em 2015 e 2018, e em todos os casos não apenas se recuperaram, como chegaram a patamares muito superiores. “Em uma janela de 10 anos, as criptomoedas cresceram muito. O que é preciso é educar os investidores, para que eles administrem seus riscos”, disse.
O executivo acredita que a atual edição do “inverno cripto” é diferente, pois o mercado está muito mais maduro. “Temos DeFi, temos NFT, Metaverso. A indústria cresceu muito e a queda atual tem muito mais a ver com questões de financiamento. Não é que o sistema esteja em risco: proporcionalmente, o crash da TerraLuna teve um efeito muito menor no mercado do que acontecimentos anteriores. O sistema está se tornando cada vez mais sólido”, acredita.
Mas, então, como confiar na indústria cripto? O fundador da Binance colocou a resposta no colo de cada cliente. “As pessoas é que têm que pesquisar e estudar todas as possibilidades de investimento. Não peço que ninguém confie cegamente na gente, mas vejo que não houve uma quebra de confiança nas criptomoedas, pois elas têm ficado cada vez mais populares”, acrescenta.
Para Zhao, o futuro será, em grande parte, desenvolvido a partir das regras estabelecidas em cada país. “Boas regras são boas, regras ruins são ruins. O mais complicado é proteger os consumidores e ao mesmo tempo estimular a inovação. Fazer uma das duas coisas é fácil, mas ambas é bem complicado”, diz. Com isso, há quem simplesmente proíba criptomoedas, como a China, e quem tenha uma postura muito mais aberta. “Estamos todos tentando encontrar o ponto de equilíbrio. Não é uma questão de preto no branco”, completa.
A little less conversation…
Quando Lisa Jackson, VP de Práticas Ambientais da Apple, subiu ao palco com Misan Harriman, fundador do Southbank Centre, ONG focada na mudança climática, o tom rapidamente mudou do business para o impacto social. “Por muito tempo, achava que questões ambientais eram uma preocupação de nicho, coisa de ecologista. Cresci em new Orleans e em 2005 aconteceu o furacão Katrina. Hoje entendo que lutar por água limpa, ar limpo, um planeta melhor para morar, é extremamente importante”, conta Lisa.
E não é uma questão de lutar individualmente. Ela lidera a iniciativa de justiça e equidade social da Apple, com um orçamento de US$ 100 milhões para investimentos em educação e oportunidades econômicas. “As empresas precisam primeiro fazer e depois falar, pois hoje elas falam muito e fazem pouco. E por isso as pessoas não acreditam mais no que as empresas dizem. Por décadas elas pregaram uma mudança que não veio”, diz.
Para Misan Harriman, primeiro fotógrafo negro a fazer uma capa da revista Vogue britânica nos 104 anos de história da publicação, é preciso dar voz ao coletivo. “OK, fui o primeiro. Mas sou apenas uma pessoa. Precisamos democratizar as oportunidades. As pessoas já estão envolvidas, e agora é hora de as empresas assumirem compromissos na mudança do mundo”, completa.
Direto da zona de conflito
Sua participação só foi confirmada algumas horas antes da abertura do Web Summit, por questão de segurança. E Olena Zelenska, a primeira-dama da Ucrânia, estava visivelmente emocionada ao ser recebida com aplausos e até mesmo a bandeira de seu país nas mãos de um dos participantes do evento.
Logo no início, se assumiu como apenas uma usuária de tecnologia, mas já questionou: “mas a experiência do usuário importa muito, não é? Ela move o mundo, mas também tem o poder de determinar a direção em que o mundo se move – e a direção dessa guerra”. Segundo ela, é hora de colocar a tecnologia a favor das vítimas da guerra, e não da destruição de seu país. “Tecnologia tem que servir para mais do que matar pessoas”, disse.
Em um discurso preparado para sensibilizar a plateia sobre o que acontece em seu país, vieram cenas de vítimas da guerra, em fotografias e vídeos. “Nós deveríamos estar focados em ir a Marte, não em esconder as pessoas em cavernas. Não podemos nos esconder das bombas, em vez de levar nossos filhos à escola”.
Com seu país destruído, Olena disse que 2/3 dos ucranianos sofrem de ansiedade, que a recuperação ucraniana precisa começar pelas pessoas e que a vitória de seu país na guerra contra a Rússia virá de pequenas vitórias. “Ajudar a Ucrânia é ajudar o mundo a ser um lugar melhor. Contamos com vocês para usar a tecnologia a favor do bem, não do mal – em toda área, da programação ao desenvolvimento de próteses médicas. Encontrem projetos que façam a diferença”.