No meio de março, na mesma semana em que começava a operar no Brasil, uma startup latino-americana atraía a atenção do mundo dos negócios. Fundada por três jovens chilenos e batizada The Not Company (também conhecida pela abreviação NotCo), a empresa finalizou uma rodada de investimentos que garantiu um aporte de US$ 30 milhões. A transação incluiu a entrada de Jeff Bezos, fundador da Amazon e homem mais rico do mundo, como sócio da companhia. O que um dos empreendedores mais bem-sucedidos do mundo viu na empresa latino-americana que desenvolveu em 2015 uma maionese sem ovos? Ao que parece, o futuro da alimentação.
As foodtechs, companhias que utilizam novas tecnologias para revolucionar o setor alimentício, querem promover no segmento a mesma reviravolta que aconteceu nas áreas de música, entretenimento, mobilidade, finanças e turismo. “A indústria de alimentação é muito lenta. São oito anos desde a ideia, passando pelo desenvolvimento, validação, marketing, até chegar ao lançamento”, diz o biotecnólogo Pablo Zamora, co-fundador da NotCo e responsável pela formulação de seus produtos. “Há muita política e entraves regulatórios dentro das grandes empresas”, complementa o executivo de 40 anos, que antes foi funcionário da fábrica de chocolates Mars.
A NotCo promete ser mais ágil. Quer desenvolver produtos — da ideia ao lançamento — em apenas quatro meses. A empresa utiliza inteligência artificial para criar maionese, sorvetes e leite de base vegetal e sem insumos animais. A companhia nasceu da cabeça de Matías Muchnick, 30 anos, um ex-estudante de finanças na Universidade de Harvard com passagem pelo banco JP Morgan. “A minha referência era a indústria farmacêutica, onde se adota tecnologia e ciência muito profunda”, diz o empreendedor. “Já o setor de alimentação está quebrado. A humanidade usa basicamente 15 plantas na sua alimentação, quando o reino vegetal tem mais de 400 mil espécies. E não fazemos a mínima ideia do que cada uma delas pode nos dar.”
Com uma ideia na cabeça e nenhum cheque na mão, ele buscou dois cientistas chilenos para serem os seus sócios. Um deles era Pablo Zamora, o outro era o engenheiro de computação Karim Pichara, de 38 anos, que trabalhava com inteligência artificial aplicada à astronomia. “Matías me perguntou se seria possível fazer comidas de sabor animal a partir de plantas”, conta ele. “Foi uma pergunta interessante e imediatamente assumi o desafio.” O pesquisador desenvolveu um software para analisar possibilidades de sabor e textura obtidas com as moléculas das plantas.
Em 2017, a NotCo começou a vender maionese sem ovos na rede chilena Jumbo. Em oito meses, abocanhou 8% do mercado. O produto chega agora ao Brasil em parceria com a rede Pão de Açúcar. Na sequência, virão sorvetes e leites também preparados sem proteína animal. Para isso, a NotCo começou a contratar executivos brasileiros e Muchnick já considera que a empresa está se tornando chileno-brasileira. Do lado de cá da fronteira a movimentação é intensa. Segundo o Movimento Foodtech, criado pela consultoria Builders Construtoria, já são154 empresas. “A maior parte delas está voltada para entrega e atendimento a um novo consumidor que deseja alimentos mais saudáveis”, diz Carolina Bajarunas, fundadora da Builders. “As pessoas não têm tempo de cozinhar, mas precisam comer bem e rapidamente. Então, diversas empresas entregam kits prontos.”
UNICÓRNIO A maior e mais conhecida foodtech brasileira é o iFood, que faz entregas por meio de aplicativos, atende 500 mil pedidos por dia e tem 10,8 milhões de clientes cadastrados. “O mercado de delivery ainda tem muito espaço para crescer e queremos continuar protagonizando essa revolução”, diz Carlos Moyses, CEO do iFood. “Impulsionar essa transformação significa desenvolver todo o ecossistema de entrega de refeições, gerando melhor experiência aos consumidores, restaurantes e entregadores.” O iFood acaba de receber um aporte de capital de US$ 500 milhões por meio da Movile, com a Naspers e Innova Capital. O investimento transformou a empresa no primeiro unicórnio do segmento foodtech no Brasil. Unicórnio é o apelido dado pelo mercado a startups com valor acima de US$ 1 bilhão. E o plano do iFood é seguir inovando para crescer. No Carnaval, a empresa testou a entrega por meio de drones. Agora também utiliza patinetes na região da Avenida Paulista, em São Paulo, com entregas mais rápidas do que qualquer outro modal.
Diferentemente do que faz a NotCo, poucas brasileiras usam tecnologia para criar produtos mais saudáveis. “Estamos pelo menos uns sete anos atrasados”, diz Carolina Bajarunas. Na Finlândia, a Solar Foods promete produzir proteína apenas por meio de eletricidade, água e ar a partir de 2021. O complexo processo envolve alimentar micróbios com hidrogênio e, depois, extrair deles células com composição de aminoácido similar ao de soja ou de algas. O resultado é um pozinho parecido com leite em pó.
Enquanto as startups avançam, as gigantes vão na cola. A americana Burger King anunciou a venda de sanduíches Whopper veganos, com hambúrgueres criados pela Impossible Foods. A companhia do Vale do Silício é uma das estrelas dessa revolução gastronômica ao produzir carnes a partir de plantas com a molécula heme, que dá ao sangue a cor vermelha. Sua maior rival é a Beyond Meat, que tem acordo a rede americana de fast food Carl’s Jr — e produz uma carne vegetal que “sangra” suco de beterraba.
No Brasil, a Behind the Foods, criada pelo paulistano Leandro Mendes, pretende começar a vender as suas réplicas de carne de base vegetal a partir de maio. Carolina Bajarunas acredita que haverá mercado para muitos competidores. Afinal, espera-se que 1% do mercado de proteína animal seja substituído dentro dos próximos três anos. Não por acaso, a Nestlé anunciou, na semana passada, que vai criar uma rival para as carnes de laboratórios das startups: o Incredible Burger, feito de soja e trigo e inspirado no produto da Impossible Foods que se chama Impossible Burger. A Nestlé espera faturar US$ 1 bilhão em até 10 anos com alimentos vegetais (leia abaixo). A Tyson Foods comprou, no ano passado, 5% da Beyond Meat e a Pepsico escolheu, em dezembro, dez startups para receber investimentos. A revolução foodtech está só no começo.