Uma pesquisa do IMD analisou a carreira de 508 líderes digitais, de 28 países, e observou que 70% foram contratados fora da organização
A Transformação Pós Digital (tema de outra coluna que já escrevi por aqui) está no topo das agendas em inúmeras salas de reuniões atualmente. Mas afinal, quem deve liderar este processo? Muitas empresas estão atribuindo esta tarefa aos Chief Digital Officer (CDOs). Mas encontrar o candidato adequado para esta posição não tem sido tarefa simples, e os mandatos tendem a ser curtos. Como convivo e atuo em um gigantesco ecossistema de inovação há anos, percebi que o sucesso no papel de CDO passou, nos últimos anos, a ser altamente influenciado por dois fatores: competência e credibilidade. Competência é um termo genérico para a combinação de conhecimento, habilidades e experiência digital. Credibilidade é a crença dentro de uma organização de que o executivo pode alcançar os objetivos estabelecidos, importantes para o crescimento do EBITA.
A contratação de um CDO de dentro ou fora é uma decisão importante. As organizações costumam pensar que competência e credibilidade podem ser melhor combinadas em um candidato externo. Uma pesquisa do IMD analisou a carreira de 508 CDOs e outros líderes digitais de 28 países, de uma ampla gama de indústrias, e observou que 70% foram contratados fora da organização. Por exemplo, o CDO da seguradora alemã ERGO Group disse que foi contratado especificamente por sua competência e experiência digital. Neste caso, a empresa concluiu que ela mesma o ajudaria a construir a confiança e credibilidade também necessárias para o bom desempenho de seu trabalho.
O tempo médio de atuação dos CDOs tem sido relativamente curto — meros 2,5 anos, de acordo com dados do MIT. Encontrar o equilíbrio certo entre competência e credibilidade depende muito de como o papel do CDO é definido em cada empresa específica, uma vez que as funções e responsabilidades de um CDO, diferem amplamente entre as organizações. Em um extremo, estão aqueles que enfatizam áreas táticas como marketing digital ou tecnologia. No outro extremo, perfis que atuam com um foco multifuncional e bastante ambíguo na estratégia e na transformação digital.
A maioria dos CDOs que vejo no Brasil, embora tentem atuar de forma eficaz nas duas frentes, na realidade, acabam concentrando seus direcionamentos em um dos campos conforme suas habilidades hereditárias. Um dos perfis gira em torno de marketing, comunicações, comércio eletrônico, engajamento de clientes e desenvolvimento de produtos. Executivos digitais com esse foco tendem a vir das indústrias de publicidade e criatividade, com formação em marketing digital. A segunda área de foco é a tecnologia, particularmente as ferramentas, sistemas e software digitais que sustentam o cenário de tecnologia da informação de uma organização. Para esses CDOs, é comum uma formação mais técnica e experiência de trabalho em funções corporativas de TI.
Mas de fato, a questão operante é que os CDOs, tanto oriundos de marketing como de TI, lidam rotineiramente com tarefas extremamente difíceis de gerenciar. Para os CDOs nessas funções, a necessidade de competência digital — conhecimento, habilidades e experiência — é extremamente alta. Sem essas habilidades, não tem como lidar de forma eficaz com a natureza profunda e específica de domínio da sua posição.
Embora parte do job description de um CDO seja definir a estratégia digital de uma organização, este objetivo pode ser nebuloso, e os meios para alcançá-lo, podem não ser bem especificados. O CDO de uma empresa de serviços de petróleo e gás com sede no Reino Unido escreveu, em um artigo do Gartner, que o amplo escopo de seu papel dificultava a definição de como seria um resultado positivo. Nessas situações, os CDOs recém-contratados e como estes cargos são relativamente novos nas organizações, geralmente acabam gastando uma quantidade considerável de tempo para desenvolver suas próprias descrições de funções, incluindo a definição de metas e medidas de sucesso.
Esse tipo de função em uma organização, que denomino Changemaker, pode ser severamente complicada pela resistência organizacional, especialmente se a organização estiver com um bom desempenho. No fim das contas, o que importa é que os CDOs precisam obter influência por resultados, e não por autoridade formal.
Consequentemente, construir credibilidade interna é fundamental para esses executivos. Sem credibilidade, o CDO pode rapidamente se tornar marginalizado ou ignorado dentro da organização, com suas chances de sucesso diminuindo significativamente.
Entretanto, a questão mais relevante a ser ponderada é que a escolha do melhor líder digital possível dentro de cada contexto, se tornará cada vez mais importante à medida que mais empresas sentirem o impacto da Transformação Digital.
Diante deste cenário e para esclarecer esse importante papel, apresento a seguir o resultado de uma pesquisa realizada pelo MIT com 211 líderes digitais em empresas de manufatura na Alemanha, Áustria e Suíça, que explorou as características de CDOs bem-sucedidas e as condições que levam ao sucesso. O estudo apontou quatro tipos de CDOs eficazes que assumem papéis distintos de liderança e demonstram diferentes níveis de sucesso em peculiares situações de transformação digital. São eles:
1. CDO Catalisador: Estes têm três características principais. Primeiro, eles lideram a transformação digital, apoiando a inovação de outros e criando um ambiente de trabalho que promove a criatividade. Segundo, eles têm uma rede diversificada dentro da empresa e também de contatos externos, como clientes, fornecedores ou consultores. Terceiro, eles têm fortes habilidades com as pessoas e são capazes de entender os comportamentos de consumo para influenciar e envolver a organização em prol dos seus apontamentos.
2. CDO Especialista em Informações Privilegiadas: Este possui fortes habilidades interpessoais, além de uma rede grande e diversificada dentro da empresa. No entanto, esses CDOs também desenvolveram conhecimento estratégico e de negócios muito profundo e estratégico. Seu alto nível de competência e conhecimento se reflete no fato de que mais de 19% dos executivos dessa categoria possuem doutorado. Comparados aos três outros tipos de executivos digitais, esses CDOs têm o maior tempo médio de permanência na empresa — 16 anos. Não é de surpreender que a rede deles esteja principalmente dentro da organização. Com base em sua reconhecida experiência profissional, utilizam suas redes bem desenvolvidas para inovar ou para aconselhar e orientar outros inovadores. Eles educam as equipes sobre as funcionalidades e as aplicações das tecnologias digitais de ponta no contexto comercial, reduzindo as reservas decorrentes da falta de conhecimento e facilitando a adoção e difusão dessas tecnologias em toda a empresa.
3. CDO Evangelista da Inovação: Em contraste com os dois anteriores, os evangelistas da inovação impulsionam a digitalização por seu envolvimento direto e pessoal em iniciativas e projetos de inovação. Esse tipo de CDO contribui para a transformação digital, trabalhando como guardião — introduzindo novas ideias de fontes externas, desafiando perspectivas e estruturas mentais estabelecidas e redefinindo a visão da empresa, assim como sua lógica comercial subjacente. Com a maior rede externa entre os tipos de CDO, eles são os que melhor promovem inovações digitais fertilizando e recombinando ideias, experiências e soluções.
4. CDO Quebra Gelo Solitário: 72% destes estudaram engenharia e ciência. Em média, passaram 47% de sua carreira em TI e infraestrutura, 25% em P&D e 22% em operações. Em outras palavras, os CDOs desse tipo são executivos geeks, bits e bytes com um nível muito alto de conhecimento em tecnologias digitais. Consequentemente, tendem a estar diretamente envolvidos em importantes projetos de inovação e a desempenhar um papel central nas principais iniciativas de digitalização. No entanto, estes CDOs têm níveis razoavelmente baixos de consciência social, influência interpessoal e capacidade de criar redes. Embora tenham em média cerca de 11 anos de posse na empresa, sua rede informal dentro da empresa é subdesenvolvida (portanto, “solitária”). Essa falta de suporte interno é uma diferença fundamental entre eles e os demais tipos de CDOs descritos anteriormente.